‘Pedi para ele beber perto do hotel porque o Rio estava muito perigoso’, diz viúva de médico baiano morto a tiros na Barra

Verônica Gomes Almeida ao lado do marido, o médico Perseu Ribeiro de Almeia, morto a tiros na Barra da Tijuca — Foto: Arquivo pessoal

eida ao lado do marido, o médico Perseu Ribeiro de Almeia, morto a tiros na Barra da Tijuca — Foto: Arquivo pessoal

Quando o médico Perseu Ribeiro de Almeida conversou com a esposa, Verônica Gomes Almeida sobre a viagem ao Rio para um congresso, o casal fez um acordo: ele evitaria se deslocar pela cidade, que ainda não conhecia, para não ficar exposto aos perigos a que assistia no noticiário. Verônica diz que foi “quase como um pressentimento”. Perseu cumpriu o que prometeu. Foi com velhos amigos a um quiosque a apenas poucos passos do hotel onde estava hospedado, na Barra da Tijuca. Mas a violência atravessou o caminho da família: o médico e outros dois ortopedistas foram executados na madrugada da última quinta-feira, num crime que abalou o país. E a partir dali a vida de Verônica, de 37 anos, mudaria para sempre. “Terei que me ressignificar, porque tenho uma filha 3 anos que fica perguntando pelo papai dela”, diz a viúva 

Representante farmacêutica, ela vivia com Perseu um relacionamento de cinco anos, quatro deles de “um casamento feliz e repleto de boas lembranças”. Na quinta-feira pela manhã, ainda sem saber o que havia acontecido, ela tentou de todas as formas ligar para o marido. O telefone tocava, tocava e nada. Ela relata que foi pela imprensa que soube do trágico fim: segundo a principal linha de investigação da polícia do Rio, ele poderia ter sido confundido com um miliciano.

Tomada pela comoção, Verônica diz que sequer sabe ainda como contar para a filha o que aconteceu. A menina crescerá, “e o pai não estará do lado”, lamenta a representante farmacêutica, que neste sábado acompanhou o enterro de Perseu, em Ipiaú, no interior da Bahia. Ela estava cercada de parentes e amigos como camisetas brancas com fotos do ortopedista e a frase: “quando o amor é forte, nenhum adeus é eterno”.

Como a senhora e a sua família estão lidando com a perda do doutor Perseu?

Estou arrasada, devastada e tentando me reconstruir. Quando Perseu falou que iria para o congresso no Rio de Janeiro, por ter medo, pedi para que ele evitasse pegar carros de aplicativo e evitasse sair. A gente fechou um acordo para que ele ficasse no hotel e não se deslocasse pela cidade. Tinha medo pelo que via no noticiário. Pedi que tomasse cuidado no Rio

Vocês se falaram quando ele chegou ao Rio?

Sim. Ele chegou ao Rio e conversou comigo dizendo que já estava no hotel e que encontraria os meninos no quiosque. Pouco mais das 23h, mandei mensagem perguntando onde ele estava, e ele enviou aquela foto com os quatro amigos do lado. Eu disse: “que Deus te acompanhe, te proteja e guie seus passos”. Pouco antes de sair para beber, ele brincou comigo e mandou foto da Rocinha, dizendo estar indo para lá. Depois disse que ia tomar banho e que estava com o celular na banheira. Falei que aquilo era perigoso e ele respondeu: “Deus me livre tomar banho com o celular e morrer de choque na banheira”.

Qual foi a última mensagem trocada entre vocês?

Meu marido não era de beber. Falei com ele pela última vez à 00h06. Quando acordei para ir trabalhar, vi que ele não havia respondido minha mensagem. Achei estranho e questionei por que ele não me avisou que já tinha voltado para o hotel. Fiquei ligando para o quarto do hotel, e ele não me atendia. Comecei a ligar pelo Instagram e não conseguia falar. Acho que estava dando algum tipo de erro, porque, quando ligava, mostrava que ele estava on-line. Liguei para o hotel e pedi que transferissem minha ligação para o quarto. Mesmo assim ele não atendeu. Pensei que, como ele não tinha o costume de beber, estava dormindo.

Quando e como a senhora ficou sabendo que o seu marido tinha sido executado?

Minha filha de 3 anos e minha tia foram para Salvador. Eu também ia, mas os planos mudaram porque tive que buscar o corpo do meu marido no aeroporto. Fiquei sabendo pelo noticiário. Ninguém me ligou. A polícia não ligou. O hotel e o evento não ligaram. Ninguém entrou em contato comigo. Por isso, tomei um susto. Minha sogra também não estava sabendo. Não julgarei o hotel e o evento. Agora, imagina se pego meu celular e observo a foto? Ele (Perseu) brincava muito comigo. Dizia que ia fazer um tour pela favela para dançar funk. Assim que chegou ao aeroporto do Rio, ele me ligou e disse que pegou um táxi até o hotel, na Barra, porque tinha medo de andar de carro de aplicativo. Ele brincou com a situação e comentou que pagou R$200 na corrida e que achou caro.

Como a senhora se sentiu quando descobriu que seu marido pode ter sido morto por engano?

Meu marido não fazia mal nem para uma mosca. Se ele fosse miliciano, não estaria bebendo num quiosque à noite, sem segurança e com a camisa do Bahia. Terei que me ressignificar porque tenho uma filha 3 anos que fica perguntando pelo papai dela. Ela não sabe que o pai está morto, e eu não sei como contarei isso para ela. O mais velho, meu enteado, de 11 anos, sabe. Ele estava no enterro conosco. Estou tentando contar para ela (minha filha) de uma maneira que entenda. Ela olha a foto do pai e pede para vê-lo de verdade. Ou seja, ela queria estar com ele do lado, não vendo por foto.

O marido da senhora estava animado com a viagem e com o congresso?

Uma pessoa sai para estudar e é morta de uma forma trágica. Meu marido era uma pessoa muito inteligente. Ele queria participar do congresso porque era uma oportunidade para a carreira dele. Eles achavam estarem seguros no quiosque. Perseu chegou ao quiosque com o Daniel. Pensei que eles tinham atirado nele porque ele era torcedor do Bahia. Achei que fosse algo de rivalidade de time, sabe? Mas não era isso. Era muito pior…

Qual o sentimento da família agora? É de justiça?

Perseu era um homem exemplar e um marido maravilhoso. De uma simplicidade… Ele não vai mais chegar em casa. Se mandar mensagem, ele não responderá mais. No final dessa guerra, todo mundo sai perdendo. As mães daqueles criminosos que morreram vão sair chorando assim como eu. Elas não têm culpa do caminho escolhidos pelos filhos. Nada disso vai trazê-los de volta. Meu marido estava feliz porque estava com os amigos participando de um congresso que ele queria muito. Eu me solidarizo com a família dos amigos deles porque eles estão sentindo a mesma dor que está me devastando. Fui dormi naquele dia e, cinco horas depois, quando acordei, minha vida mudaria completamente. Não sou só eu que perco algo. A família, amigos e pacientes também vão perder. Só posso desejar para quem tirou a vida do meu marido um caminho de luz. Minha filha crescerá, e o pai não estará do lado. Mas não desejo o mal deles.

Viagem e comemoração do aniversário

Na última terça-feira, Perseu deu seu último plantão. Chegou ao hospital por volta das 7h e saiu às 19h, após realizar mais de 30 atendimentos. Ele atuava na unidade há pouco mais de dois anos. Era, também, dia do seu aniversário, que iria comemorar com a esposa e seus dois filhos antes de pegar o avião para o Rio de Janeiro.

Ainda de acordo com a diretora, o ortopedista estava animado com a viagem “já que iria rever os amigos da faculdade”, referindo-se a Marcos de Andrade Corsato, Diego Ralf de Souza Bomfim, mortos durante o ataque, e Daniel Sonnewend Proença, único sobrevivente. Esta seria sua primeira grande viagem fora da Bahia e a primeira vez no Rio, segundo parentes.

Perseu Almeida escolheu a medicina como profissão seguindo os passos do pai, Luiz Andrade, ortopedista que morreu há cerca de dez anos em um acidente de carro. Ele também atuava em outras clínicas e hospitais

Médico teria sido executado em quiosque por ser parecido com miliciano, investiga polícia

A semelhança física entre Perseu e o miliciano Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, de 26, é uma das linhas de investigação para o triplo homicídio ocorrido, nesta quinta-feira, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. De acordo com as polícias Civil e Federal, Perseu tem peso, altura, cabelo e barba parecidos com Taillon, e pode ter sido confundido com ele quando estava com três amigos em um quiosque na orla do bairro frequentado pelo criminoso.

O congresso do qual os ortopedistas mortos participariam ocorreu normalmente nesta quinta-feira, no Hotel Windsor. A programação desta manhã teve uma homenagem aos médicos assassinados, e a Daniel Sonnewend Proença, que ficou ferido.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

vinte − 16 =