Família tenta provar inocência de jovem preso por suspeita de homicídio; júri popular começa nesta segunda-feira

Túlio de Jesus Silva — Foto: Arquivo pessoal

Caso aconteceu na cidade de Pintadas, interior da Bahia. Túlio de Jesus Silva vai a julgamento e defesa sustenta vídeo que indicaria que jovem estavam em outro local no momento do crime.

O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) acusa Túlio de Jesus Silva, de 25 anos, por homicídio qualificado e roubo, que ocorreram na cidade de Pintadas, a 200 km de Salvador. A família do jovem, que vai a júri popular nesta segunda-feira (15), tenta provar a inocência dele.

O inquérito policial que baseia a denúncia reúne depoimentos de testemunhas que afirmam que o crime foi cometido por dois homens, que invadiram um bar. A defesa de Túlio sustenta um vídeo que mostra o jovem pedalando em um bairro diferente do que o crime foi cometido, em agosto de 2021. 

Sede do Ministério Público da Bahia (MP-BA), em Salvador — Foto: Alan Oliveira/G1

Na época, a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA) chegou a assumir o caso e produziu um relatório da investigação defensiva, que concluiu que não seria possível que Túlio estivesse nos dois lugares ao mesmo tempo. Mesmo assim, a Justiça manteve o jovem preso preventivamente até o julgamento desta segunda-feira.

Atualmente, Túlio é assistido por uma equipe de advogados que trabalham pro bono, ou seja: voluntariamente. O julgamento do réu é realizado no Fórum de Ipirá, cidade vizinha a Pintadas.

  • Quem é Túlio e de quais crimes ele é acusado?
  • Como foi feita a prisão?
  • O que dizem as testemunhas?
  • O que a defesa aponta como irregularidades no processo?

Quem é Túlio e de quais crimes ele é acusado?

Túlio de Jesus Silva é um jovem negro de 25 anos, nascido na cidade de Pintadas. A acusação que pesa sobre ele é de homicídio qualificado e roubo majorado – caracterizado pela grave ameaça com uso de extrema violência e arma de fogo.

Segundo a investigação policial, Túlio supostamente invadiu o Bar Beira Rio para cometer um assalto, no dia 17 de agosto de 2021, junto com um comparsa que nunca foi identificado, e matado a gerente do estabelecimento, Adeniclei de Assis, além de ter roubado o celular, relógio e R$ 50 de um cliente.

A defesa do jovem alega que, no momento em que os crimes foram cometidos, ele estava a caminho de casa, onde jantou, tomou banho e passou um tempo no celular, esperando a namorada chegar. Túlio mora no centro da cidade e o bar fica na região de zona rural.

“Não teria como ele fazer aquele percurso tão rápido, cometer o crime naquele espaço de tempo tão curto, voltar para casa. Ele teria que ter chegado em casa, e feito esse trajeto de volta em um espaço de tempo humanamente impossível, para ter executado o crime naquele horário que as testemunhas dizem que o crime aconteceu”, argumentam os representantes do réu.

Os álibis de Túlio são a gravação de uma câmera de segurança, que mostra ele pedalando em direção à própria casa, além da mãe e do padrasto, que relatam que ficaram em casa com ele nos momentos seguintes em que o crime era praticado em outro ponto da cidade.

O laudo da investigação da Defensoria Pública é categórico ao afirmar que, ainda que Túlio mudasse de sentido e fosse em direção ao bar onde o crime ocorreu, ele levaria cerca de 12 minutos e chegaria ao local muito tempo depois do crime ter sido praticado.

Como foi feita a prisão?

Túlio foi preso 24 horas após o crime. A defesa diz que policiais militares foram até a casa do jovem e o levaram com a informação de que ele apenas prestaria esclarecimentos sobre o caso. Depois disso, Túlio nunca mais retornou para casa, e ficou preso em delegacia, sendo transferido posteriormente para o Presídio de Feira de Santana.

O jovem não foi preso por mandado de prisão, mas no entendimento do delegado responsável pelo inquérito, Marcione Azevedo, ainda havia estado de flagrância que justificasse a detenção. A defesa aponta que Túlio foi supostamente reconhecido por testemunhas de forma irregular.

“O reconhecimento, que é a prova principal do inquérito, foi ilegal e não respeita nenhum dos critérios que a Justiça entende como necessários para essas prisões baseadas em reconhecimento fotográfico ou pessoal”, explicou um dos representantes do jovem, que preferiu não ser identificado.

Além disso, a defesa também alega que o rapaz foi agredido na delegacia, no momento do interrogatório, e que a audiência de custódia aconteceu fora do prazo legal. Esses são elementos que tornam a prisão do jovem ilegal.

O advogado Jonata Wiliam, criminalista e presidente da Comissão da Advocacia Negra da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA) explica que prisões ilegais podem ser consideradas abuso de autoridade.

“A prisão efetuada sem mandado judicial, e fora das hipóteses legais de flagrância é manifestamente ilegal, sendo assim um ato de coação e uma violação à garantia fundamental de liberdade, concretizando também modalidade do crime de abuso de autoridade”.

g1 tentou falar com o delegado Marcione Azevedo por meio da delegacia e do telefone celular dele, mas não conseguiu. A reportagem entrou em contato com a Polícia Civil da Bahia, que se limitou a dizer que “o procedimento está na Justiça Criminal e o autor foi denunciado pelo Ministério Público”.

O que dizem as testemunhas?

Túlio de Jesus Silva — Foto: Arquivo pessoal

Uma das testemunhas descreveu o homem que cometeu o assalto com características que não correspondem às de Túlio: branco, alto, com barba e grisalho. O réu é um jovem de estatura mediana, negro, sem barba e não tem cabelos grisalhos.

Já outras duas testemunhas descreveram Túlio com exatidão em depoimento à polícia. Posteriormente, uma destas pessoas, procurou o Ministério Público da Bahia pessoalmente para se retratar.

Ao MP-BA, a pessoa – que não terá nome divulgado por medo de represálias – afirmou que foi coagida pelos policiais a dar as características de Túlio, e que sequer viu o rosto das pessoas que cometeram o crime.

“Há uma descrição… a altura exata, cor da pele, corte de cabelo, tudo como se aquilo ali tivesse sido retirado de alguma espécie de ficha de cadastro. Não parece ser a descrição que uma pessoa, que viu algum indivíduo cometer um crime em 15 segundos, teria uma capacidade de dar”, argumentou a defesa de Túlio.

“Ninguém conseguiria descrever alguém assim tão detalhadamente, mas todas descreveram, segundo o inquérito, e todas as descrições idênticas”.

também buscamos o Ministério Público para ouvir um representante que pudesse explicar a situação, mas o órgão encaminhou uma nota, informando que a denúncia oferecida contra o réu foi “baseada em inquérito policial que continha elementos de prova testemunhais e documentais”.

Ainda nesta época, Túlio era assistido pela Defensoria Pública, que anexou provas de que a testemunha havia se retratado em um pedido de habeas corpus. A atual defesa do jovem disse que esses documentos não foram levados em consideração pela Justiça, que manteve o réu preso.

“Na decisão do habeas corpus, os desembargadores nem mencionaram esses documentos, como se aquela decisão ali já estivesse pronta, e eles não tivessem nem lido os últimos documentos que foram juntados para dar a decisão deles”.

Há também uma quarta testemunha que assinou o documento do suposto reconhecimento de Túlio sem ler do que se tratava, sob a alegação de que só seria liberada se assinasse o papel. Em audiência de instrução, esta pessoa negou que tenha reconhecido o jovem como autor dos crimes.

A defesa do réu aponta que as declarações foram forjadas pela Polícia Civil, por meio do delegado Marcione Azevedo. O g1 também questionou o fato à PC, que não respondeu sobre a situação.

Também de acordo com a defesa de Túlio, a Polícia Civil descartou uma testemunha que presenciou a situação, porque ela negou que o jovem tivesse participado do crime. O g1 pediu explicações à polícia sobre esta acusação, mas não obteve resposta.

“Os policiais mostravam a foto de Túlio, e perguntavam se ele tinha sido autor do crime. Como a testemunha negava, essa pessoa não foi ouvida em delegacia. Ela foi descartada porque o que ela falava não se adequava à narrativa que a polícia queria para aquele inquérito. Essa testemunha se apresentou voluntariamente depois, já depois da denúncia oferecida pelo Ministério Público, se disponibilizando a ser testemunha de defesa”, diz a defesa.

“Inclusive, já no dia seguinte, a polícia foi até o local do crime com Túlio preso na viatura, e a testemunha sempre falando: ‘não foi esse, vocês prenderam a pessoa errada’. E as informações dele foram totalmente ignoradas”.

O que a defesa aponta como irregularidades no processo?

Além do reconhecimento feito de forma irregular, a defesa também afirma que a Polícia Civil alterou, no inquérito, os horários em que o crime ocorreu. Em depoimento, as testemunhas afirmam que o crime ocorreu por volta das 20h10 e que a polícia chegou ao local às 20h30. Neste momento, Túlio já estava em casa, segundo ele e a família.

No entanto, o inquérito policial afirma que o crime aconteceu às 20h30, mesmo constando o depoimento das testemunhas com horário divergente.

“Uma testemunha, inclusive, deu um horário bem, preciso porque ela diz que, quando chegaram os autores do fato, ela olhou no celular e viu as horas. A testemunha relata também que a polícia demorou cerca de 15 minutos para chegar no local – primeiro chegou uma ambulância, depois a polícia. Então 20h30 seria o horário em que a polícia chegou e não o horário do crime”, informou a defesa do réu.

Pela lei brasileira, a alteração ou modificação de elementos de uma investigação cai sobre o abuso de autoridade, além de crime contra a administração da justiça, que é um tipo de fraude processual. Além disso, provas obtidas a partir de violações à constituição, ou derivadas de provas ilícitas, são inadmissíveis pela justiça e podem ser anuladas.

Também foi questionado à Polícia Civil sobre a suspeita de alteração dos horários do inquérito, mas o questionamento não foi respondido. O advogado criminalista Jonata Wiliam aponta que, se comprovada que houve a alteração, há crime.

“Se constatado que houve a modificação, de forma artificial, de elementos do inquérito, visando responsabilizar criminalmente alguém, aumentar a sua responsabilidade ou causar a sua prisão, temos sem dúvidas a concretização do crime de abuso de autoridade, e os elementos colhidos naquela investigação, por consequência, serão tidos como ilícitos, ou seja, produzidos em contrariedade à determinação da lei”.

A defesa do jovem aponta que há seletividade penal da Justiça em ter mantido Túlio preso com materiais que supostamente provam a inocência dele.

“Existe muito da seletividade penal, da questão de racismo, de preconceito de classe. Porque todos os elementos do processo, o que foi apresentado depois do inquérito, corroboram para a tese da inocência dele. Mas nada disso é considerado pelo judiciário”, ponderou um dos representantes.

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