Janeiro de 1999: a primeira revista abertamente voltada para o público gay do país produziu a capa icônica de Marcos André Batista Santos, o Vampeta, pentacampeão do mundo com a Seleção Brasileira de futebol em 2022. Estrela da edição, ele usou o cachê integralmente para revitalizar o Cinema Rio Branco – um dos mais antigos do Brasil.
O espaço da sétima arte fica na cidade de Nazaré, no Recôncavo Baiano, terra natal do ex-jogador. Fundado em 1927, o equipamento segue em funcionamento, mas em condições precárias. Com a baixa estrutura, o Rio Branco passou a abrir apenas para exibições públicas.
O Cinema Rio Branco pertenceu a uma das famílias mais tradicionais de Nazaré, os Ribeiro Soares. Entre as décadas de 1970 e 1990, o equipamento foi desativado diversas vezes por falta de manutenção e riscos à estrutura. No final de 1998, um dos restauradores do cinema pediu ajuda a Vampeta.
Hoje, o Rio Branco é administrado por uma das tias do ex-atleta, dona Beta Alves. Beta, que é de Salvador, mora na cidade desde 2000, quando foi para Nazaré gerenciar o cinema que passou a ser da família
“O restaurador, seu Uriel – que inclusive já faleceu –, procurou ele e pediu ajuda para consertar o telhado, que estava para cair. Nessa conversa, ele [Vampeta] descobriu que a Igreja Universal estava querendo comprar o espaço para abrir outra unidade, mas ele queria preservar o legado da cultura do local, que era um dos mais antigos do país. Então ele resolveu comprar”.
‘Chance de recuperar um patrimônio histórico’
Vampeta estava decolando na carreira. O volante estourou e ganhou notoriedade em 1993 e passou a jogar fora do Brasil já em 1994, quando construiu fama na Europa. Quatro anos depois ele voltou para o Brasil e foi campeão brasileiro duas vezes com o Corinthians: 1998 e 1999.
Com a notoriedade, surgiu o convite para a revista. Sem vergonha da própria nudez, Vampeta aproveitou a oportunidade para usar o cachê de R$ 80 mil e recuperar o Cinema Rio Branco, como ele mesmo explicou
“Quando surgiu a proposta de sair na revista, e era uma proposta muito boa, o dinheiro foi para a restauração do cinema. Eu gosto de cinema para caramba mesmo. Na época foi uma chance de recuperar um patrimônio histórico, mas também de construir um patrimônio, porque o cinema me pertence também”, destacou Vampeta.
“No total eu investi quase R$ 500 mil para revitalizar. Eu restaurei o cinema todo com recursos próprios, com meu salário de jogador”.
“Durante três anos eu fiquei na luta, depois entreguei para minhas tias administrarem, porque eu não tinha como ficar lá. Elas, tia Beta e Edna, sempre que tocaram os projetos do cinema, sempre foi tudo feito através delas, e eu agradeço muito”, disse o ex-atleta.
A admiração por Beta é mútua. A tia de Vampeta é muito orgulhosa da decisão do neto, tomada para salvar o maior patrimônio cultural da cidade de Nazaré.
“Aquela atitude dele foi uma atitude desesperada, ele chegou a ser condenado por algumas pessoas por ter posado nu, só que não sabem que o cachê foi usado todinho para o cinema. É um patrimônio histórico muito importante, mas que requer muito recurso”, ponderou Beta.
Reabertura e necessidade de nova restauração
Depois da compra do cinema, foram três anos de restauração até que o cinema tivesse condições de ser reinaugurado e aberto ao público, como explica Beta.
“A reforma foi comandada por Uriel, então ele queria fazer realmente tudo perfeito, como era no tempo de antigamente. Foi feito tudo minuciosamente. Em 2006, ele [Uriel] decidiu que não iria mais dar conta do cinema, então pediu para que eu entregasse as chaves à prefeitura. Só que eu não deixei, porque administração pública sempre muda. Eu tomei a frente e continuo na administração”.
Em 2007 houve a última reforma e, desde então, o Cinema Rio Branco mantém as portas abertas apenas para exibições destinadas aos estudantes de escolas públicas – a exemplo da apresentação do documentário ‘Bicentenário da Independência: heróis e heroínas da liberdade’, da Rede Bahia.
Sem patrocínio, a administração do cinema precisa de apoio financeiro para restaurar a estrutura e manter o equipamento em funcionamento.
“A gente está precisando de apoio principalmente pelo estado físico do cinema, a parte estrutural mesmo. Tem que trocar telhado, reparar paredes, fazer muita coisa. Um monumento desse, em qualquer outro canto, seria bem mais valorizado. A história no cinema jamais pode ser destruída”.