Gilmar Mendes vota para derrubar Marco Temporal de Terras Indígenas

Crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) votou nesta segunda-feira (15/12) para derrubar a tese do Marco Temporal, que instituiu a data de 1988 como referência de ocupação para o direito à demarcação de terras por povos indígenas. Contudo, ele mantém parte da Lei 14.701/2023. Em seu voto, o  ministro fixa prazo de 10 anos para a União concluir processos demarcatórios, permite exploração econômica nas terras indígenas e assegura ao posseiro a permanência na área até o pagamento das indenizações devidas.

Na avaliação de Mendes, a instituição de uma data específica não é capaz de resolver os conflitos territoriais brasileiros nem assegurar segurança jurídica. Dessa forma, ele mantém o entendimento firmado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo próprio Supremo (tema 1031). 

O julgamento começou nesta segunda-feira (15/12) em plenário virtual e se dá em meio a mais uma queda de braço entre Congresso e STF sobre o tema – na semana passada, após a Corte iniciar o julgamento da constitucionalidade da lei, o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 48/2023) sobre o mesmo assunto, mas o texto ainda precisa passar pela Câmara.

A Lei 14.701/2023 já foi uma resposta do Congresso à decisão do STF que rejeitou a existência de um Marco Temporal para demarcação de Terras Indígenas. Agora, com a possibilidade do marco ser novamente derrubado pela Corte, a PEC surgiu como uma nova ofensiva legislativa. A tese divide interesses: de um lado, povos indígenas e entidades de meio ambiente e, do outro, empresários do agronegócio.

“Nossa sociedade não pode conviver com chagas abertas séculos atrás que ainda dependem de solução nos dias de hoje, demandando espírito público, republicano e humano de todos os cidadãos brasileiros (indígenas e não indígenas) e principalmente de todos os Poderes para compreender que precisamos escolher outras salvaguardas mínimas para conduzir o debate sobre o conflito no campo, sem que haja a necessidade de fixação de marco temporal em 5 de outubro de 1988, situação de difícil comprovação para comunidades indígenas que foram historicamente desumanizadas com práticas estatais ou privadas de retirada forçada, mortes e perseguições”, escreveu o ministro no voto de 226 páginas

Prazo para demarcação

O ministro também propôs prazo de dez anos para que a União conclua os procedimentos demarcatórios pendentes, como forma de sanar omissão e demora de mais de 30 anos na regularização das terras indígenas. De acordo com dados trazidos no voto a partir de consultas à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), são 231 processos administrativos em curso para a demarcação, ou seja, sem decreto presidencial homologatório. Desses, 158 são pedidos de demarcação.

Ficam mantidos os dispositivos da Lei 14.701/2023 que asseguram ao proprietário ou possuidor a permanência na área objeto de demarcação até o pagamento das indenizações devidas. O voto também estabelece que são consideradas benfeitorias de boa-fé aquelas realizadas antes da publicação da portaria declaratória do Ministério da Justiça. O ministro recordou que, no Tema 1.031, o STF reconheceu o direito de retenção do imóvel até a quitação das indenizações pelas benfeitorias.

O relator entendeu ser suficiente a gravação em áudio como prova para a demarcação. O ministro ainda fixou que a exigência de áudio não se aplica a laudos antropológicos concluídos e entregues à Funai antes da entrada em vigor da lei.

“É cediço que todo o processo de ocupação territorial brasileiro, desde a chegada dos portugueses em 1500, é permeado dessa vergonhosa forma de apropriação do território inicial e integralmente indígena, na maioria das vezes realizada, historicamente, por meio de violência, intimidação e mortes. Essa realidade – dura e nefasta – não pode ser tolerada e repetida hodiernamente.”, escreveu Mendes.

“Mas, a pretexto de promover uma reparação às comunidades tradicionais, não se pode desconsiderar o vetor de segurança jurídica presente em nossa sociedade democrática contemporânea, até para que seja preservado o direito à propriedade e à posse privadas”, acrescentou.

Atividades econômicas

No voto, Mendes mantém a autorização de atividades econômicas em terras indígenas pela própria comunidade, conforme prevê a Lei 14.701/2023. Contudo, os contratos devem seguir parâmetros como o benefício coletivo, manutenção da posse direta pelos indígenas, aprovação pela comunidade e comunicação à Funai no prazo de 30 dias. Em caso de irregularidades na celebração ou execução, os órgãos de fiscalização poderão requerer à Justiça Federal a adoção de ajustes ou a rescisão contratual.

Entre as atividades possíveis está a exploração do turismo, desde que os benefícios alcancem toda a coletividade e que a posse da terra seja preservada. A exploração mineral foi retirada da proposta feita inicialmente pelo ministro Gilmar Mendes e a questão deve ser resolvida em ações que estão sob a relatoria do ministro Flávio Dino.

Dessa forma, as atividades econômicas podem ser exercidas pelos próprios indígenas, de acordo com seus usos, costumes e tradições, sendo admitida a celebração de contratos com não indígenas, desde que respeitada a autodeterminação das comunidades, nos termos da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“A imposição de marco temporal pretérito e distante no tempo (5/10/1988), de forma retroativa para quem não possui cultura de resguardo de documentação formal, não guarda proporcionalidade com o fim almejado: conferir segurança jurídica. Isso porque, tal escolha legislativa esvazia desarrazoadamente o comando constitucional do art. 231 da CF, introduzindo praticamente prova impossível para quem tinha clara deficiência técnico-jurídica de defesa de seus interesses jurídicos àquela época (antes de 5/10/1988)”, escreveu o ministro. 

Conciliação

O julgamento se dá após tentativa de conciliação sobre o tema no Supremo, em que foi apresentado um documento sem a derrubada do marco, mas com pontos de consenso como a possibilidade de exploração econômica em terras indígenas, a necessidade de aprimorar os processos de demarcação – inclusive com mais publicidade – e o pagamento de indenização aos ocupantes não indígenas. 

O ministro sugere que os aprimoramentos legislativos feitos durante a mesa de negociação sejam utilizados, por isso, votou pela homologação da proposta elaborada durante a conciliação feita entre os anos de 2024 e 2025. 

A negociação sofreu críticas e acabou prejudicada com a saída de representações indígenas como a Articulação dos Povos Indígenas (Apib). Os grupos indígenas pediram ao ministro Gilmar Mendes que desse uma liminar suspendendo a validade da lei e ele não o fez. Assim, na visão desses grupos, eles estavam em situação de desigualdade nas negociações. Ainda, as entidades argumentam que os direitos indígenas são indisponíveis, assim, eles não podem ser retirados ou negociados. 

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