‘Eu morri por 17 minutos. E voltei’, relata sargento do Bope baleado na megaoperação dos complexos da Penha e do Alemão

Carlos Alair ficou três dias em coma, após chegar consciente ao hospital, atingido no ombro durante a operação nos complexos da Penha e do Alemão

Foto: Marcelo Theobald 

O sargento do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) Carlos Alair da Costa sobreviveu a um dos momentos mais críticos da megaoperação de 28 de outubro nos complexos da Penha e do Alemão, que deixou 122 mortos. Ontem foi confirmada a morte do quinto policial atingido durante a ação, o policial civil Rodrigo Nascimento, da 39ª DP (Pavuna).

Baleado no ombro durante o confronto na Serra da Misericórdia, Carlos Alair sofreu hemorragia interna grave, entrou em parada cardiorrespiratória e ficou 17 minutos clinicamente morto até ser reanimado no Hospital Central da PM. Em entrevista ao GLOBO, contou o que lembra desde o momento em que foi alvejado até acordar do coma, três dias depois.

“Tenho 41 anos, sou policial militar há 16 e estou no Bope há uma década. Venho de família de policiais: meu avô, meu pai, meu irmão. Sempre quis isso, cresci vendo essa rotina dentro de casa. Tentei o curso do Bope pela primeira vez, fui desligado, e, poucos meses depois já estava de volta, numa situação que até surpreendeu os instrutores, porque normalmente o intervalo é maior. Eu me formei no curso de ação tática em 2015 e, em 2018, fiz o curso de operações, o Caveira. Estar no Bope é uma realização pessoal muito grande. Nossa família tem que estar alinhada, porque você realmente se desliga do mundo lá fora.

Aquele 28 de outubro era um dia comum de operação. A gente vive isso há anos, conhece a dinâmica, sabe o que pode acontecer a qualquer momento. Nunca tinha sido baleado de verdade, só atingido por estilhaços. Mas naquele dia foi diferente. Estávamos na Serra da Misericórdia, quando fomos acionados para uma situação de apoio. Colegas já tinham sido vitimados.

Luta pela vida

Havia um grande número de criminosos armados, reunidos numa área de mata. Foi ali que fui alvejado, no meio do deslocamento.

Lembro perfeitamente de tudo até chegar ao hospital. Estava consciente, lúcido. Assim que fui atingido, um colega fez os primeiros socorros ainda no terreno. Estancou, me enrolou e me levou até a emergência blindada. Meu pensamento era só um: preciso sair daqui vivo. Depois, o blindado me colocou na ambulância, também blindada, e lá já tinha médico de combate, que continuou o atendimento. Aquilo fez toda a diferença para eu chegar vivo ao HCPM. Fui ouvindo tudo, vendo tudo. Falavam quantos minutos faltavam para chegar.

Lembro do exame de tomografia, de entrar no centro cirúrgico, de ver as luzes. Depois disso, apagão total.

Fiquei três dias em coma. Acordei numa sexta-feira achando que era terça-feira e a operação não tinha acabado. Perguntei logo que abri os olhos: ‘A operação acabou?’. Aí me explicaram tudo; inclusive sobre os 17 minutos em que fiquei em parada cardíaca. Eu morri e voltei. É estranho ouvir isso sobre você mesmo, mas foi o que aconteceu. Não me lembro absolutamente de nada desse período. Da hora em que me sedaram até o momento em que abri os olhos. Só sei que existe uma explicação: Deus. E uma equipe médica extraordinária, que fez tudo que podia. Os médicos dizem que poucos minutos sem oxigênio no cérebro já podem deixar sequelas. Eu fiquei quase 20. Então, para mim, é milagre, é cuidado de Deus e competência de todos que estavam ali.

Foram 18 dias internado. O disparo entrou pelo ombro direito, quebrou meu úmero e saiu pela axila. Passei cinco dias com fixadores de aço externos, depois usei curativo a vácuo para acelerar a cicatrização. Só então fiz a cirurgia definitiva, com a haste dentro do osso. Continuo em recuperação, fazendo fisioterapia, sem previsão de retorno à ativa.

Antes mesmo da entrevista, precisei passar por um atendimento para avaliar o ombro, mas está tudo certo, dentro do esperado. Ainda não tenho movimento nas mãos e só consigo mexer um pouco o braço, mas a fisioterapia já está fazendo efeito. Agora, é focar na recuperação. Até lá, não tenho previsão de voltar ao trabalho.

Minha filha, de 12 anos, só pôde me ver após sete dias, quando deixei o CTI; ela já sabia de tudo e foi forte. Para minha família, foi um alívio enorme me ver consciente, e também senti isso ao acordar, reconhecer todos e conseguir falar — foi uma surpresa imensa depois de tudo o que tinham ouvido. Se me perguntam se eu lutei durante aqueles 17 minutos, não sei dizer. Não lembro de nada. Mas sei o que eu pensava antes de ser sedado: ‘Eu não posso morrer’. Repetia isso na extração, no blindado, na ambulância, no caminho até o hospital. Era a única coisa que passava pela minha cabeça”.

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