STF tem 3 votos para obrigar polícia a avisar sobre o direito ao silêncio em abordagem

Ministro André Mendonça pediu vista e suspendeu análise do caso

Crédito: Jose Cruz/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem três votos para determinar que a polícia tem o dever de avisar pessoas abordadas que elas podem ficar em silêncio. O julgamento, retomado nesta quinta-feira (30/10), foi paralisado por pedido de vista do ministro André Mendonça. Ele tem até 90 dias para analisar o caso.

Até o momento, votaram o relator e presidente do STF, ministro Edson Fachin, e os ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin.

Os três convergem no ponto principal sobre a obrigação de que agentes informem formalmente aos suspeitos o direito ao silêncio. Há divergências quanto a alguns desdobramentos, como a validade de provas obtidas sem essa advertência.

Fachin votou para reconhecer que o direito ao silêncio deve ser garantido a toda pessoa que for abordada pela polícia e que possa ser incriminada caso responda ao agente. Para o magistrado, esse direito deve ser informado imediatamente, seja no momento da prisão ou caso o policial faça alguma pergunta ao suspeito.

Para Fachin, se essa comunicação não for feita, as provas encontradas a partir da fala do suspeito e as próprias declarações devem ser anuladas. Ou seja, não podem ser usadas na investigação.

Dino apresentou algumas ressalvas, como restrições à anulação das provas. Já Zanin propôs casos de flexibilização para o dever de advertência.

O direito ao silêncio está na Constituição. Segundo o texto, o preso será informado de seus direitos, “entre os quais o de permanecer calado”. A discussão no STF envolveu saber se esse direito deve ser informado logo na primeira abordagem pela polícia, ou se poderia ser avisado só durante o interrogatório formal durante inquérito ou ação penal.

A discussão no STF tem repercussão geral, ou seja, a definição deverá ser seguida por todas as instâncias da Justiça.

Também conhecida como aviso de Miranda, ou Miranda Rights, a frase sobre o direito ao silêncio ficou famosa ao ser reproduzida em filmes norte-americanos em que um policial prende alguém: “Você tem o direito de ficar calado. Tudo o que disser pode e será usado contra você no tribunal” é o alerta que precisa ser sempre dito quando uma pessoa é presa nos Estados Unidos, devido ao que foi decidido pela Suprema Corte daquele país no caso Miranda v. Arizona, em 1966.

Garantia ao silêncio

Para o relator, Edson Fachin, a Constituição assegura não só a garantia ao silêncio, mas também o direito de a pessoa ser “devidamente cientificada” da possibilidade de permanecer calada.

“Não basta que se reconheça direito ao silêncio, são necessárias salvaguardas processuais para que seja observado pela autoridade estatal, a fim de que haja controle efetivo da garantia”, afirmou.

“Essa comunicação não é apenas uma formalidade, mas um imperativo do devido processo legal decorrente do Estado de direito”, declarou.

Na proposta de tese, Fachin votou no sentido de que a advertência sobre o direito deve explicar que o silêncio não implica uma confissão e que não pode ser entendido como algo que vai prejudicar a defesa da pessoa abordada.

Para o ministro, o Estado tem o dever de comprovar que o direito ao silêncio foi garantido no momento da abordagem ou no interrogatório. Por isso, essa comunicação deve ser registrada pela polícia, de preferência em vídeo, mas também pode ser aceito um documento escrito.

Esse entendimento vale a partir do julgamento, com exceção das ações em andamento e que os réus já tenham questionado a falta do direito ao silêncio.

Ressalvas

Ao divergir parcialmente do relator, o ministro Flávio Dino disse que o dever de informar a garantia ao suspeito protege a atividade policial e “conduz a práticas civilizacionais tão necessárias para tornar legítimo o uso da força”.

Dino entende que a polícia tem o dever de informar o direito ao silêncio em qualquer abordagem, não só no interrogatório. Caso não haja essa comunicação, as provas são nulas, com exceção das hipóteses em que for possível levantar os elementos de forma independente ou quando se tratar de “descobertas inevitáveis”, conforme o Código de Processo Penal (CPP).

Dino também votou para que a declaração do policial possa ser um meio de comprovar que a comunicação do direito foi feita ao abordado, já que os agentes são servidores públicos e seus atos têm presunção de veracidade. A medida foi sugerida, pois, conforme o ministro, ainda levará muito tempo para que todos os policiais estejam usando câmeras corporais.

Por fim, o ministro também propôs que a obrigação de alertar sobre o direito não se aplica em casos de buscas pessoais e revistas sem mandado judicial, em contextos como aeroportos ou estádios de futebol, por exemplo.

Já o ministro Cristiano Zanin entendeu que situações de urgência e perigo podem levar a uma flexibilização do dever de informar o direito ao silêncio. Isso ocorreria em casos como o de necessidade do policial tomar medidas para garantir a segurança pública, tendo que conter algum suspeito por arma, por exemplo.

Outra proposta de Zanin é o que ele chamou de “direito qualificado ao esclarecimento”. Nas ocasiões posteriores em que for ouvido, o suspeito deve ser informado de que sua fala anterior que não tiver sido esclarecida quanto ao direito de ficar calado não poderá ser usada como prova no processo.

Caso concreto

O caso concreto em discussão no STF é de um recurso em que um casal preso em flagrante discute decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que entendeu que os policiais não são obrigados a avisar sobre o direito ao silêncio.

Conforme o processo, durante o cumprimento de mandado de busca, a acusada admitiu informalmente a posse de munições e armas em sua casa. Eles foram condenados pela prática dos crimes de posse irregular de arma de fogo de uso permitido e posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito a pena de três anos e seis meses de reclusão em regime inicial aberto. A prisão foi substituída penas restritivas de direito.

No caso concreto, o relator votou para absolver a mulher, por entender que a sua confissão sobre a existência das armas são nulas. Assim, para Fachin, não sobram provas de que ela cometeu crimes. O oposto ocorre com o homem, pois o ministro entendeu que existem outras provas contra ele no processo.

O STF começou a julgar o caso na quarta-feira (29/10), com as manifestações das partes do processo e entidades admitidas na ação.

Dino votou para negar o recurso e manter a condenação. Já Zanin votou para cassar o acórdão e determinar um novo julgamento, mas sem as provas consideradas ilícitas pela falta de aviso aos suspeitos.

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