Homem foi diagnosticado com mieloma múltiplo, doença que causa anemia, infecções recorrentes e alterações ósseas. Tratamento recém-aprovado no Brasil dá novas perspectivas para pacientes

Com dores na coluna, o paulista Aílton Santana, de 53 anos, consultou oito ortopedistas antes de descobrir que sofria de mieloma múltiplo, um tipo de câncer de sangue raro que afeta 4 em cada 100 mil pessoas no mundo.
“Eu achava que era [somente] dor nas costas. Os ortopedistas me davam vários diagnósticos: bico de papagaio e não sei mais o quê. Só que nenhum deles falava que era mieloma ou pedia exames detalhados para que chegasse no diagnóstico correto”, relata o paciente, durante evento da biofarmacêutica GSK que aconteceu na terça-feira (28) em São Paulo (SP) e contou com participação da imprensa.
Foram cerca de oito meses até que Santana tivesse o diagnóstico definitivo, após uma ressonância magnética indicar a presença de uma neoplasia maligna. “Eu dormia, acordava e ficava o dia inteiro com dor. A minha casa tem escada, eu tinha que ficar lá embaixo e subir só na hora de dormir porque era complicado”, recorda o paciente, que chegou a quebrar uma costela ao espirrar.
O diagnóstico tardio trouxe consequências graves para Aílton. Quando finalmente descobriu o mieloma múltiplo, ele já apresentava anemia severa, comprometimento dos rins e precisou operar os dois fêmures. Passou um longo período em cadeira de rodas, tendo que reaprender a andar. “Quando eu fui tratar o mieloma, eu estava muito debilitado, tive fratura do crânio aos pés. Era praticamente impossível trabalhar naquele momento.
Um ano após o tão aguardado diagnóstico, Aílton passou por um transplante de medula óssea e uma série de tratamentos que reduziram as dores e lhe devolveram a mobilidade. Hoje, ele se dedica a apoiar outros pacientes com câncer, liderando grupos de apoio e compartilhando sua experiência para incentivar o diagnóstico precoce da doença.
Sintomas e incidência
A dor nas costas, como a que levou Aílton a procurar diversos ortopedistas, é um dos sintomas mais comuns do mieloma múltiplo. Isso acontece porque a doença faz com que plasmócitos anormais — células produtoras de anticorpos — se multipliquem de forma descontrolada na medula óssea, comprometendo a estrutura dos ossos.
Além das alterações ósseas, esse câncer também provoca fadiga intensa, anemia, infecções recorrentes e insuficiência renal. Apesar dos avanços na pesquisa, a causa exata da doença ainda é desconhecida pela ciência, portanto, a prevenção não é possível através de mudanças no estilo de vida. Por isso, o diagnóstico precoce continua sendo a melhor saída.
“A patogênese da doença não explica porque ela se iniciou”, conta a hematologista Vania Hungria, especialista no tratamento do mieloma múltiplo. Nesse tipo de câncer, explica a médica, as células não passam pelo processo de morte programada (apoptose) e “esquecem” de morrer, acumulando-se no organismo.
No mundo, o mieloma múltiplo representa 10% dos cânceres hematológicos. Há maior incidência da doença em homens negros, e a idade mediana dos pacientes varia entre 65 e 70 anos. Mas há registros em pessoas mais jovens. “O paciente mais novo descrito na literatura, o que é muito raro, foi um brasileiro diagnosticado aos 8 anos de idade”, relata Hungria.
O desafio do diagnóstico
O diagnóstico pode ser feito inicialmente por um exame simples e barato, chamado de eletroforese de proteínas, capaz de identificar o aumento de imunoglobulinas característico da doença. Outra opção mais complexa é um mielograma, no qual é feita a punção da medula óssea, seguido por uma biópsia.
O problema é que, em boa parte dos casos, o principal sintoma passa batido. “Um indivíduo idoso com dores nas costas, na maioria das vezes as pessoas medicam e não exploram a causa. Por isso que, muitas vezes, você demora para fazer o diagnóstico”, observa a hematologista. Quando a situação piora, o paciente procura um ortopedista, geriatra ou clínico geral. O profissional, por sua vez, nem sempre está informado sobre a doença que, embora rara, é o segundo tumor hematológico mais comum no Brasil, com 7.600 novos casos por ano.
“Segundo a OMS, 80% da população mundial em algum momento já teve ou terá dor nas costas. Não dá para falar que tudo é mieloma, mas precisamos pensar fora da caixa”, ressalta Christine Battistini, Presidente da ONG Internacional Myeloma Foundation (IMF LA). “Precisamos prestar atenção no corpo da gente e ver quando a mensagem dele é diferente”.
Novo tratamento aprovado no Brasil
Um tratamento inédito para a doença obteve na semana passada a aprovação regulatória pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O Blenrep (belantamabe mafodotina), da biofarmacêutica GSK, já foi aprovado anteriormente no Reino Unido e União Europeia, entre outras localidades.
Em combinação com bortezomibe e dexametasona (BVd), ou com pomalidomida e dexametasona (BPd), o medicamento é indicado para pacientes adultos recaídos ou refratários que tenham recebido pelo menos uma linha de tratamento anterior. O fármaco é administrado por infusão intravenosa a cada três semanas ou a cada quatro semanas, a depender da combinação do tratamento.
Trata-se do primeiro e único medicamento a combinar um anticorpo monoclonal direcionado ao antígeno de maturação de células B (BCMA), com a mafodotina, uma carga citotóxica. Essa combinação permite a ligação às células do câncer, liberando o agente quimioterápico no interior da célula de melanoma para matá-la.
Sua aprovação na Anvisa se baseia em dois estudos de fase 3, que contaram com a participação de oito centros de pesquisa brasileiros. “Trata-se de uma opção inovadora que combina eficácia robusta com perfil de segurança manejável, apoiada em evidências científicas publicadas em periódicos de alto impacto”, considera Fábio Lawson, Diretor Médico da GSK Brasil, em comunicado.
A hematologista Vania Hungria, uma das autoras dos dois estudos, destaca que as publicações colocam a ciência brasileira em evidência. “Principalmente no Brasil, onde a gente sempre teve muita dificuldade, você dar oportunidade para os pacientes receberem tratamento investigacional, que eles jamais receberiam em outra situação, é excepcional”, diz.
Há cerca de 40 anos, quando começou a tratar pessoas com mieloma múltiplo, a médica lembra que só existia tratamento paliativo, e os pacientes tinham uma sobrevida de apenas 2 a 3 anos. “Hoje a gente não pode falar em cura total, mas a gente já pode falar no que a gente chama de cura funcional. Os pacientes sobrevivem muitos anos com uma boa qualidade de vida”, afirma.





