Nepal agita redes bolsonaristas e acende alerta sobre risco de agitação social

Manifestação bolsonarista na Avenida Paulista / Crédito: Paulo Pinto

Se no domingo da Independência a bandeira dos EUA foi o símbolo da polêmica bolsonarista, nesta terça-feira (9/9) a bandeira singular do Nepal apareceu nas redes e grupos de extrema-direita como símbolo de uma esperança desesperada. Uma e outra apontam para um cenário de caos, ausente do cálculo dos principais caciques em Brasília, mas alimentado por atores políticos relevantes.

As ameaças quase explícitas do governo dos EUA de usar força militar contra o Brasil e a rebelião violenta contra o governo nepalês serviram de referências para projetar uma alternativa à pacificação costurada por líderes do Centrão, em meio aos primeiros votos pela condenação de Jair Bolsonaro e de ex-líderes militares.

A articulação institucional da semana anterior, que visava a desfazer as penas, via anistia ou indulto, sem reabilitação eleitoral imediata, se inscreve na tradição brasileira de passar a borracha em erros para seguir tudo mais ou menos do mesmo jeito. E tem antecedentes óbvios nas anistias a quarteladas do século XX e no desmonte da Lava Jato. Além disso, o envolvimento de Tarcísio de Freitas nas conversas deixou explícita a tentativa de construir a partir do acordo uma nova “ponte para o futuro”.

Acontece que seria um futuro sem Jair Bolsonaro na liderança. E sem saciar a sede de desforra de uma militância que se sente perseguida e humilhada pelo “sistema”. Na outra margem da ponte ficariam também para trás os planos presidenciais de outros Bolsonaros e de novas lideranças que vicejaram na polarização e na mobilização permanente das tensões culturais e políticas.
Tarcísio, subitamente agressivo com o STF no domingo tentou, mas não convenceu os que não querem meias medidas.

“Tarcísio falou, mas você viu quem foi mais aplaudido? A Michelle”,  na terça um ex-ministro do núcleo ideológico do bolsonarismo. Logo depois, ele chamou a atenção para o exemplo do Nepal, dizendo que o tema estava forte nas redes. E de fato estava. Viralizaram vídeos de agressões da multidão a políticos e memes sobre a morte da mulher do ex-premiê em uma casa incendiada pelos revoltosos. Alguns dos posts, mais comuns nos grupos, faziam comparações da vítima com a primeira-dama brasileira, Janja da Silva.

Políticos foram (um pouco) mais sutis

Nikolas Ferreira (PL-MG) republicou vídeo traduzido por IA em que uma testemunha relata que manifestantes incendiaram prédios oficiais e residências em protesto contra restrições a redes sociais. Acima, o comentário do deputado federal: “O povo do Nepal cansou…”. Pouco depois, outro post, celebrando o fim do “regime comunista” nepalês.

Gustavo Gayer (PL-GO) republicou o mesmo vídeo que o colega, com o texto: “MEU DEUS!! È impressionante as semelhanças com o Brasil! Será que vai acontecer a mesma coisa aqui?”. Mais tarde, retuitou texto de uma conta de extrema-direita: “Quando a população se levanta, nada fica em pé, absolutamente nada. O Nepal está dando uma demonstração de que tudo tem limite.”

Eduardo Bolsonaro preferiu celebrar outra ameaça de violência. Escreveu: “O mundo agradece” depois de relatar que, em resposta sobre o Brasil, a porta-voz da Casa Branca disse que os EUA podem “aplicar sanções e mesmo fazer uso de força militar” contra países que, na visão deles, violem a liberdade de expressão ou vetem candidaturas de opositores.

Estrela nos grupos bolsonaristas, o desembargador aposentado Sebastião Coelho disse que, diante da “covardia” do Congresso, a população precisa reagir com uma paralisação nacional após a condenação do ex-presidente. Nas respostas dos seguidores, o Brasil não foi o país mais citado: “Já começo a achar que a solução está mais para o que acontece no Nepal”.

Em conjunto, esses indícios mostram que para além dos acordos que parecem encaminhados em Brasília há outras forças em movimento. E há potenciais líderes dispostos a canalizar insatisfações difusas de milhões de apoiadores do bolsonarismo para manter ou aumentar a própria relevância no momento em que parecem estar escanteados.

É um movimento de risco, que pode, mais provavelmente, dar em nada ou causar apenas mais uma onda de memes indignados. Ou pode sair do controle, como mostra o exemplo do Nepal.

O mesmo ex-ministro que agora chama a atenção, preocupado, para o apelo da revolta popular do outro lado do mundo falava há poucos meses ao JOTA sobre as sanções que o governo Trump preparava contra o Brasil e contra o STF. Naquele momento, parecia exagero. E não foi.

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