A Indústria que Lucra com a Dor; A Negligência Farmacêutica na Luta contra o Câncer

Enquanto a medicina avança em velocidade impressionante, salvando vidas com vacinas desenvolvidas em tempo recorde – como vimos durante a pandemia de Covid-19 –, a mesma urgência não se aplica a doenças como o câncer, que mata silenciosamente milhões de pessoas por ano ao redor do mundo. Isso levanta uma pergunta incômoda, mas necessária: por que a indústria farmacêutica parece tão eficiente em algumas situações e tão lenta em outras?

A resposta pode estar menos na ciência e mais nos interesses econômicos que giram em torno da saúde. O câncer, hoje, representa um dos mercados mais lucrativos para grandes laboratórios. O tratamento oncológico movimenta bilhões em quimioterapias, radioterapias, exames, internações e medicamentos de manutenção. Ao contrário da vacina contra a Covid-19, que representava uma necessidade urgente e coletiva, o câncer, silencioso e fragmentado em diversas variantes, segue sendo tratado como uma fonte contínua de lucro e não como uma doença a ser erradicada.

É inegável que a ciência avançou. A medicina de precisão, a imunoterapia e as novas tecnologias genéticas mostram que é possível desenvolver abordagens mais eficazes e personalizadas. Porém, o que se observa é que os investimentos se concentram em terapias prolongadas, que não curam, mas mantêm o paciente vivo tempo suficiente para que o sistema continue girando – e lucrando. O sistema é desenhado para tratar, não para curar.

Por trás disso tudo, existem os chamados stakeholders – grupos de interesse formados por acionistas, conglomerados financeiros, políticos e conselhos de administração que enxergam a saúde como mercado. Eles não investem com base na necessidade humana, mas sim no retorno financeiro. Para eles, a cura definitiva do câncer significaria o colapso de uma das indústrias mais rentáveis do planeta.

A negligência é estratégica. Quando querem, conseguem. A vacina contra a Covid-19 é um exemplo gritante. Em menos de um ano, laboratórios de todo o mundo uniram esforços, tecnologia e financiamento para lançar vacinas que salvaram milhões de vidas. Por que não vemos esse mesmo empenho para combater o câncer? A resposta parece estar no fato de que o câncer, ao contrário de uma pandemia, não atinge a todos de uma vez. Ele atinge aos poucos, sem gerar comoção coletiva – e, assim, permanece invisível no debate público.

Enquanto isso, a população mais pobre – que tem menos acesso a diagnósticos precoces e tratamentos de qualidade – continua sendo a maior vítima. As estatísticas falam por si: o câncer é a segunda principal causa de morte no mundo, e o número de casos só cresce. E o que vemos por parte dos grandes laboratórios? Patentes bilionárias, medicamentos inacessíveis e campanhas que mais promovem a marca do que a solução.

É preciso romper esse silêncio. A sociedade precisa questionar os interesses que movem a indústria da saúde. Precisamos de políticas públicas mais ousadas, de investimentos estatais em pesquisa independente, de transparência nas decisões regulatórias e, sobretudo, de um novo modelo de pensar a saúde pública: centrado na vida e não no lucro.

O câncer não pode continuar sendo uma sentença de morte ou uma oportunidade de enriquecimento. A cura não pode ser um segredo bem guardado. A ciência já mostrou que pode fazer o impossível – mas só quando há vontade real por trás.

´Por| Alenilton Malta

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