Herdeiros não respondem por dívida condominial antes da partilha dos bens

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No campo do direito sucessório brasileiro, uma questão recorrente é a responsabilidade dos herdeiros pelas dívidas do falecido. Em recente decisão, em maio de 2024. a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que herdeiros não são responsáveis por dívidas condominiais antes da partilha dos bens. Desse modo, fica evidente que este entendimento tem amplas implicações, seja no âmbito  do direito sucessório quanto para a administração de condomínios.

O direito sucessório brasileiro, regulado pelo Código Civil, estabelece as normas para a transferência de bens, direitos e obrigações do falecido para seus herdeiros. Uma das controvérsias mais relevantes é a extensão da responsabilidade dos herdeiros pelas dívidas do de cujus antes da partilha dos bens. Nesse ínterim, nos termos do artigo 1.997 do Código Civil, a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido e, apenas após a partilha, os herdeiros só respondem, cada qual, em proporção da parte da herança que lhe coube.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald discutem que a responsabilidade dos herdeiros pelas dívidas do falecido só se efetiva após a partilha dos bens. Antes desse momento, a herança é administrada pelo espólio, que é considerado uma entidade jurídica autônoma, sendo o inventariante o responsável pela administração dos bens e pelo pagamento das dívidas. Esse entendimento protege os herdeiros de responderem por dívidas que ainda não foram objeto de partilha, garantindo uma maior segurança jurídica até a conclusão do inventário (FARIAS; ROSENVALD, 2018).

Decisão da 3ª Turma do STJ

Passando para a análise da decisão, a qual envolveu um caso onde herdeiros foram chamados a responder por dívidas condominiais de um imóvel que fazia parte do espólio antes da partilha dos bens. A 3ª Turma do STJ decidiu que os herdeiros não têm essa responsabilidade enquanto não for concluída a partilha, baseando-se em dois fundamentos principais:

  1. Natureza Jurídica do Espólio: Até a partilha, o espólio é considerado uma entidade jurídica autônoma, responsável pelas dívidas do falecido. O inventariante, que administra o espólio, é quem deve assegurar o pagamento das obrigações pendentes. Maria Helena Diniz, reforça essa autonomia do espólio na administração e na responsabilidade pelas dívidas do de cujus até a partilha dos bens. Segundo Diniz, o espólio possui personalidade jurídica própria, necessária para gerir os bens deixados pelo falecido e assegurar o pagamento das dívidas, preservando o patrimônio até a distribuição definitiva entre os herdeiros. De modo que essa estrutura é essencial para manter a ordem no processo sucessório e proteger os interesses de todas as partes envolvidas (DINIZ, 2019).
  2. Interpretação do Código Civil: Conforme o artigo 1.997 do Código Civil, a responsabilidade dos herdeiros pelas dívidas do falecido é limitada à herança recebida e só se efetiva após a partilha. Antes disso, é o espólio que deve responder pelas dívidas. Flávio Tartuce destaca que o inventariante atua como gestor do espólio, sendo o responsável legal por garantir o cumprimento das obrigações pendentes, incluindo as dívidas condominiais. Ele enfatiza que os herdeiros só passam a responder diretamente por essas dívidas após a partilha, momento em que a herança é formalmente dividida e os bens são atribuídos aos respectivos herdeiros(TARTUCE, 2021). Da interpretação à luz do entendimento do doutrinador, a decisão do STJ alinha-se com essa interpretação, reforçando a importância da partilha como marco para a transferência de responsabilidades

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, afirmou que “os herdeiros substituem o espólio no processo, mas não respondem diretamente pelas dívidas do falecido antes da partilha.” A ministra destacou ainda: “Prevendo a possibilidade de o inventariante judicial ou dativo não ser uma pessoa próxima aos herdeiros e sucessores e de não gozar da plena confiança deles, quis o legislador, nessa hipótese, permitir que herdeiros e sucessores exercessem um maior controle a respeito dos atos praticados, viabilizando, inclusive, que eles substituíssem processualmente o inventariante”​.

Outrossim, a relatora em seu voto trouxe o seguinte entendimento: “a despeito da redação imprecisa do art. 12, § 1º, do CPC/73, que afirma que ‘todos os herdeiros e sucessores do falecido serão autores ou réus nas ações em que o espólio for parte’, o que sugeriria a formação de um litisconsórcio necessário ou até mesmo de substituição do espólio pelos herdeiros e sucessores (substituição de partes), fato é que, na hipótese de inventariança dativa, a substituição não ocorre nos polos, mas nos representantes processuais do espólio, que deixa de ser o inventariante e passa a ser o herdeiro ou sucessor”​.

Além disso, a decisão enfatizou que “na hipótese em exame, ainda está em curso a ação de inventário dos bens deixados pelo proprietário do imóvel gerador do débito condominial, não tendo havido a partilha de seus bens, razão pela qual os recorrentes, seus herdeiros, não podem ser imediata, direta e pessoalmente responsabilizados pelo débito”​.

Implicações da decisão

A decisão oferece maior segurança jurídica aos herdeiros, que não precisam se preocupar com dívidas condominiais até que recebam efetivamente seus quinhões na partilha. Esse entendimento, protege os herdeiros de responderem por dívidas que ainda não foram objeto de partilha, garantindo uma maior segurança jurídica até a conclusão do inventário. Essa segurança evita a sobrecarga financeira dos herdeiros antes mesmo de terem acesso aos bens da herança.

Os condomínios devem adaptar suas estratégias de cobrança. Enquanto a dívida não for paga pelo espólio, os condomínios podem enfrentar dificuldades financeiras. Contudo, a decisão do STJ não impede que os condomínios acionem judicialmente o espólio para garantir o pagamento das dívidas condominiais.

Essa decisão destaca a importância de um inventário ágil e eficiente. A demora na partilha pode prolongar a indefinição sobre a responsabilidade pelas dívidas, prejudicando tanto os herdeiros quanto os credores. Portanto, advogados e partes envolvidas devem estar cientes da necessidade de concluir o inventário rapidamente para evitar complicações adicionais.

Aspectos Positivos

Pois bem, temos que a segurança Jurídica é o primeiro dos aspectos positivos da decisão, uma vez que proporciona maior segurança jurídica aos herdeiros, evitando que sejam cobrados por dívidas antes de receberem sua parte na herança. Essa interpretação é reforçada por Farias e Rosenvald, que argumentam que a responsabilidade dos herdeiros pelas dívidas do falecido só se efetiva após a partilha (FARIAS; ROSENVALD, 2018).

Ademais, traz clareza e Previsibilidade, tendo em vista o estabelecimento de uma regra clara sobre a responsabilidade por dívidas condominiais no período anterior à partilha, facilitando o planejamento jurídico de herdeiros e advogados.

Aspectos Negativos

Ato contínuo, no que pese os aspectos positivos da decisão, é de suma importância observarmos  que os condomínios podem enfrentar dificuldades para receber dívidas, especialmente se o inventário se prolongar, impactando a saúde financeira dos condomínios e a qualidade dos serviços oferecidos.

Ainda, a decisão pode aumentar a pressão sobre o inventariante e o processo de inventário, exigindo maior rapidez e eficiência na conclusão da partilha, deixando a execução do inventário mais complexa.

Conclusão

A decisão da 3ª Turma do STJ é um marco significativo no direito sucessório e condominial brasileiro. Ao eximir os herdeiros da responsabilidade por dívidas condominiais antes da partilha, o STJ reforça a distinção jurídica entre espólio e herdeiros, promovendo maior segurança jurídica. Essa interpretação está em consonância com a doutrina jurídica, que destaca a importância da partilha como marco para a transferência de responsabilidades. No entanto, essa decisão também impõe desafios para os condomínios e para o processo de inventário, destacando a necessidade de uma administração ágil e eficiente dos bens deixados pelo falecido. A jurisprudência sobre o tema continuará a evoluir, contribuindo para um entendimento cada vez mais claro e justo sobre a responsabilidade pelas dívidas no contexto das sucessões.

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