Árbitro do caso Eldorado Celulose renuncia e diz que foi ameaçado pela J&F

Eldorado Celulose / Crédito: Divulgação/Eldorado Celulose

A disputa pelo controle da Eldorado Brasil Celulose, que opõe a J&F e a Paper Excellence, ganhou um novo capítulo nesta segunda-feira (23/9) com a renúncia do espanhol Juan Fernández-Armesto à presidência do Tribunal Arbitral que julga o caso. Em carta encaminhada à Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI) e aos advogados do caso, Fernández-Armesto afirmou ter sido ameaçado pela J&F, o que, segundo ele, tornou insustentável sua permanência no cargo.  Em seguida, o árbitro Paulo Mota Pinto também apresentou uma carta de renúncia.

Na carta, Fernández-Armesto afirma que, embora a J&F, empresa dos irmãos Batista, tenha adotado uma postura de confrontação com o Tribunal, esta “é a primeira vez que faz uma ameaça tão brutal e ad hominem, insinuando que eu, como Presidente, seria culpado de eventuais crimes de ‘prevaricação’, ‘desobediência’ ou ‘abuso de autoridade'”.

Ele se refere a uma manifestação nos autos, na qual a empresa destaca que os árbitros também estão sujeitos a “crime de desobediência, crime de prevaricação e crime de abuso de autoridade”. Para Fernández-Armesto, “esta ameaça não é remota ou abstrata: os advogados da J&F iniciaram inúmeras ações arbitrais, civis e penais no contexto da disputa entre as Partes; não seria uma surpresa se decidissem abrir uma ação penal contra o Presidente do Tribunal Arbitral, a quem acusam, sem qualquer pudor, de adotar decisões supostamente unilaterais e de cometer abuso de poder”.

Ele considera as acusações graves, principalmente porque “árbitros são pessoas privadas a quem as partes confiam voluntariamente a resolução de suas disputas, mas a quem o ordenamento jurídico não concede nenhuma proteção especial”.

“É legítimo que, se houver indícios da prática de um crime, as partes iniciem uma ação penal contra os árbitros. O que não é legítimo é que advogados, atuando em nome da parte que os designou, inconformados com as medidas unânimes adotadas pelo tribunal arbitral, ameacem um árbitro, em especial o presidente, com a possibilidade de abertura de uma ação penal pelos delitos de ‘prevaricação’, ‘desobediência’ ou ‘abuso de autoridade'”, reforça.

Na petição da J&F lê-se que: “a conduta do Tribunal Arbitral, na figura de seu Presidente, de impor novas obrigações à J&F e à Eldorado e acrescer novas responsabilidades a terceiros, que não foram previamente contratadas e não decorrem de lei, viola a Lei de Abuso de Autoridade” e que “é necessário que o Tribunal pare de proferir novos atos jurisdicionais. O Tribunal deve aguardar o eventual restabelecimento de sua jurisdição para decidir sobre os temas submetidos pela CA, sob pena de exigir que a J&F adote uma atitude indesejada neste momento, de modo a resguardar os seus direitos”.

No dia 19 de setembro, o vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) considerou que uma decisão anterior da 3ª Turma da Corte já havia determinado a suspensão da tramitação da arbitragem, o que não havia sido seguido pelo ICC, e mandou suspender a tramitação da arbitragem. De acordo com a carta de Fernández-Armesto, a ordem foi cumprida no dia seguinte.

O árbitro português Paulo Mota Pinto também renunciou à posição de árbtirto depois da saída do colega. “As ameaças dirigidas ao Tribunal Arbitral e o profundo respeito e total solidariedade devidas ao Presidente do Tribunal Arbitral me impedem de continuar a exercer as funções de árbitro no presente procedimento”, afirma.

“Considero que os fatos ocorridos no presente procedimento arbitral, com origem no comportamento das Requeridas, e em particular no da Requerida J&F e seus representantes, são graves e suscetíveis de comprometer o recurso à arbitragem, a que as partes se obrigaram como forma de resolução de litígios. Existem limites para a viabilidade da instituição da arbitragem, os quais no presente caso foram, no que diz respeito ao presente Tribunal Arbitral, largamente ultrapassados, independentemente do respeito sempre devido, afirmado e posto em prática em relação às decisões (melhores ou piores) dos tribunais estatais”, afirma.

No documento, ele diz “corroborar os fatos e juízos nele [na carta] contidos, especialmente os relativos à conduta processual da Requerida J&F e seus representantes, e registrar que o Presidente do Tribunal Arbitral, assim como todo o Tribunal Arbitral, foi objetivamente alvo de ameaças diretas, graves e plausíveis de queixas penais”.

A defesa da J&F nega que tenha feito qualquer ameaça e afirma que houve apenas uma manifestação legítima no processo e que o juiz arbitral renunciou à presidência do Tribunal Arbitral em decorrência da decisão do TRF4 suspender a tramitação da arbitragem. O advogado da empresa, Eduardo Munhoz, declarou ao JOTA que seu escritório “jamais ameaçou ou fez qualquer tipo de ameaça a árbitro, nem nesta arbitragem, nem em qualquer outra”. “Temos uma enorme reputação, respeito e credibilidade como advogados, e não faríamos isso.”

Na avaliação de Munhoz, o árbitro “pretende esconder um claro abuso que o Tribunal Arbitral cometeu nesse caso”, ao ter tomado uma série de decisões após a suspensão da arbitragem.

“A cada vez que o Tribunal Arbitral tomou decisões dessa natureza, a J&F advertiu e alertou os árbitros de que aquilo era uma violação à decisão judicial”, argumentou. “E na última dessas manifestações, depois que o Tribunal Arbitral manteve essa postura de sucessivas decisões, fomos bastante enfáticos ao dizer o que a lei afirma: que, se o Tribunal Arbitral viola uma decisão judicial e abusa do seu poder, os árbitros estão sujeitos às sanções previstas na lei”, afirmou.

Em nota, a Paper Excellence, que trava a batalha contra a J&F, considerou o episódio lamentável. “Em mais um lamentável episódio, a J&F valeu-se de ameaças criminais contra alguns dos árbitros mais reconhecidos mundialmente, forçando a renúncia desses profissionais qualificados e que atuam nas principais disputas empresariais. Anteriormente, outros dois árbitros, inclusive o que foi indicado pela própria J&F, também renunciaram após terem as reputações atacadas sem nenhum fundamento real. Isso só confirma que os irmãos Batista desprezam os contratos e as decisões contrárias, agindo sem a devida seriedade e ética nas relações comerciais”, diz.

Afirmou ainda que tem se empenhado para resolver a disputa comercial pelo controle da Eldorado de forma transparente e que “a J&F, ciente que não tem qualquer chance de vencer legalmente a disputa, recorre a toda espécie de artifícios processuais protelatórios e enganosos para adiar uma inevitável derrota”. “Essas ações não apenas põem em xeque o devido processo legal, como também prejudicam a imagem do Brasil no exterior e abalam a confiança dos investidores no país”, segue a nota.

Histórico do caso Eldorado Celulose

Em abril, a 3ª Turma do TRF4 confirmou, por unanimidade, a tutela cautelar concedida pelo desembargador Rogério Favreto para suspender os atos de transferência das ações da Eldorado Brasil Celulose em posse da J&F Investimentos, dos irmãos Batista, para o grupo indonésio Paper Excellence/CA Investment até o julgamento final de uma ação popular que tramita no tribunal.

Na mesma decisão, o TRF4 também determinou a suspensão da decisão arbitral A-14, que previu, nas palavras dos advogados da Eldorado Celulose, a criação de um ‘órgão de coordenação’ da empresa, com participação Paper Excellence. Atualmente a Eldorado Brasil Celulose é controlada pelo grupo dos irmãos Batista, que disputa o controle da companhia com a Paper Excellence.

No processo arbitral para resolver o conflito empresarial, a Câmara de Comércio Internacional (ICC) deu ganho de causa à Paper Excellence e reconheceu, por 3 votos a 0, o direito de a empresa assumir o controle da Eldorado Brasil Celulose. Na ocasião, o negócio de R$ 15 bilhões não foi finalizado, já que a J&F não aceitou o resultado e acionou o Judiciário brasileiro. O processo que questiona a sentença arbitral tramita no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).

Em julho de 2022, ao julgar o pedido da J&F para anular a arbitragem, a juíza Renata Maciel, da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem, decidiu manter a validade da sentença arbitral favorável à Paper Excellence.

O caso agora tramita na 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), onde dois desembargadores também votaram contra a anulação da arbitragem e opinaram pela aplicação de uma multa de R$ 30 milhões à J&F por litigância de má-fé.

O julgamento da apelação está suspenso, desde o dia 23 de janeiro, por força de uma decisão do ministro Mauro Campbell Marques, no exercício da presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que atendeu a uma requisição da J&F.

O ministro afirma que a decisão versa apenas sobre a concessão de efeito suspensivo a recurso especial contra acórdão que decidiu pelo não cabimento de uma reclamação, de forma que “não se está investigando, nem valorando, rigorosamente nenhum aspecto meritório”.

Se o desembargador convocado João Batista de Mello Paula Lima acompanhar o relator, o mérito da apelação estará resolvido. Caso o voto seja divergente, outros dois desembargadores serão chamados a se manifestar no julgamento estendido. O processo que suspendeu o julgamento no TJSP agora está no gabinete da ministra Nancy Andrighi, relatora do caso.

O conflito entre Paper Excellence e J&F também provocou decisões no âmbito administrativo. Recentemente, o superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no estado de Mato Grosso do Sul, Paulo Roberto da Silva, enviou ofícios à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) com o objetivo de evitar a formalização da transferência do controle da Eldorado Brasil Celulose para a empresa Paper Excellence, diante da ausência das autorizações do Incra e do Congresso Nacional.

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