Tema pouco discutido na sociedade, mas os diferentes espaços, templos religiosos de matriz africana enfrentam a falta de acessibilidade em sua estrutura física. Grandes escadas, faltas de elevadores e rampas, dificultam o transitar de iniciados e anciãos da religião, tornando mais cansativo o deslocamento dessas pessoas nos espaços religiosos.
Em Salvador, o terreiro Casa Branca, fundado em 1830, reconhecido como o mais antigo terreiro de Candomblé do Brasil é um dos exemplos dessa questão de acessibilidade. Localizado na Avenida Vasco da Gama, o templo religioso tem toda sua estrutura de barracão (nome do espaço sagrado onde acontece os festejos de candomblé); casas dos orixás (onde ficam guardadas os itens sagrados), entre outros, na parte superior da área, fazendo com que os filhos da casa e frequentadores subam escadas todas as vezes para realizarem suas atividades.
Segundo Isaura Genoveva, ekedi e integrante do terreiro, o local possui 54 degraus da entrada ao barracão principal, o que dificulta o acesso de pessoas mais velhas, de cadeirantes e de pessoas com deficiência.
“A gente está tentando buscar reestruturar o terreiro para comportar de forma acessível a todo mundo que frequenta, não só os filhos de santo, mas a comunidade em geral. O terreiro é um terreiro secular, só que são 54 degraus da praça até o barracão principal. As casas dos orixás, a casa de Iemanjá ficam na parte de cima. Quem tem mais idade têm mais dificuldade de subir e descer os degraus. Então, a gente está tentando pensar, estruturar alguns projetos, construir uma praça, uma rampa, essa facilidade para as pessoas conseguirem subir, pois às vezes tem muita gente que não consegue. Cadeirante, e pessoas com deficiências não conseguem, aí ficam na praça e a comunidade desce para ajudar. Essa iniciativa é importante, sendo candomblé um espaço de acolhimento, que a gente possa receber todo mundo bem, de acordo com suas especificidades”, disse.
A integrante do terreiro revelou ainda que o assunto não se trata de uma reivindicação ou protesto, mas sim uma forma de conscientização e um pedido para que a questão seja melhor debatida.
“Não é uma reivindicação, não é uma briga. Mas é um pedido, que estamos pensando. É pautar esse tema, pois as pessoas esquecem que é uma casa de acolhimento. Isso não é só nosso terreiro, mas todos os outros, todas as comunidades precisam pensar em como é que a gente vai receber bem e aí é uma coisa que as pessoas não pensam”.
“A cidade de Salvador não pensa nisso, pois ela não é uma cidade acessível, e as comunidades não são pois alguns algumas construções foram feitas em locais ‘irregulares’, vão sendo edificadas de diferentes maneiras, só que a gente tem essa preocupação, mas assim, a gente não pode, enquanto terreiro, enquanto patrimônio tombado, resolver entrar, invadir, quebrar, mandar um pedreiro fazer. Então, é pautar isso para que esteja na política pública”, explicou.
A ekedi da casa contou que o terreiro tem feito contato com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e com a FMLF para projetos relacionados a implementação de projetos inclusivos.
“A gente está discutindo isso com o Iphan. Fomos contemplados por novos projetos e na estrutura do projeto a gente já pediu para poder pensar na contratação de profissionais que pensem um projeto com acessibilidade na casa toda, no banheiro, na casa dos orixás, na entrada. Nossa solicitação com a Fundação Mário Leal Ferreira, que vai executar os projetos, é que seja contratada uma equipe de profissionais com uma capacidade e expertise não só em arquitetura de patrimônios culturais ou templos religiosos como terreiros de Candomblé, mas que entendam a necessidade da gente.”
“Não podemos ter qualquer arquiteto ou qualquer engenheiro que não entenda a nossa dinâmica. Rampas não podem ser construídas de qualquer jeito, pois temos locais sagrados. É preciso ver o local da acessibilidade, se vai passar por cima ou por baixo das casas de santos, não é um templo comum”, observou.
ESTUDOS E PROJETOS
Para a arquiteta Sarah Madjalani, é necessário o estudo de projetos para esses templos religiosos com a aprovação do Iphan. A especialista apontou ainda a forma correta de realizar os projetos para esses espaços sagrados e constatou que as dificuldades em acessibilidade se dão em decorrência de alguns desses locais estarem em terrenos íngremes.
“Todo o monumento tombado requer um estudo de projeto com aprovação do Iphan. Nos princípios da restauração, esses projetos de reforma desses bens tombados a gente segue o tema da reversibilidade. Como tem, digamos assim, regras para esses monumentos, a gente tem que fazer essas intervenções. De intervenções definitivas que são feitas para suprir a necessidade inicial, mas que, com o tempo, se quiserem, podem ser reversíveis. Então, a maioria desses impasses nos terreiros é porque muitos estão íngremes, e aí as rampas de acessibilidade ficam com um deslocamento muito grande para deficientes, mas cabe ao arquiteto ver a melhor solução”, considerou.
A profissional considerou ainda a necessidade de cada projeto dessas áreas sagradas serem analisadas individualmente.
“Tem que ser estudado pontualmente cada caso. Quando a gente pega um projeto principalmente terreiros, cada espaço tem seu regimento interno e, às vezes, a gente não pode interferir arquitetonicamente. E aí a gente tenta fazer o melhor para aquele espaço sem também interferir internamente”, indicou.
A ekedi Sinha, integrante da Casa Branca, e realizadora de uma feira de saúde na localidade, comentou sobre a questão da acessibilidade servir como garantia de direitos para adeptos e admiradores da religião de matriz africana.
“Acessibilidade, na verdade, é uma garantia de direitos de todos. Não só para os mais velhos, mas também para as crianças, os mais jovens. Todos têm o direito de chegar onde quiser. Isso inclui não só as pessoas da comunidade, mas também de fora que querem às vezes só conhecer o terreiro e às vezes não podem subir. Ter saúde é garantia de direitos para a gente, é o direito de professar a fé”, classificou.