Esquema de venda de armas para facções expõe policiais ‘atuando como bandidos’; entenda como militares auxiliavam o tráfico

 Foto: Divulgação/PF

investigação que culminou na prisão do capitão Mauro Grunfeld expôs a existência de uma organização criminosa com a participação de policiais militares da Bahia. Atualmente afastado das atividades e posto em liberdade na quarta-feira (17), o agora ex-subcomandante da 41ª Companhia Independente da PM (CIPM/Federação e Garcia) é apenas um entre pelo menos nove agentes suspeitos de repassar armas para facções.

O esquema veio à tona em maio, com a deflagração da “Operação Fogo Amigo”, conduzida pela Polícia Federal com apoio do Ministério Público da Bahia (MP-BA).

Conforme demonstrado pelos investigadores, os suspeitos desviavam armas apreendidas em operações e compravam novos armamentos em lojas aliadas. Todo o material servia para abastecer o tráfico de drogas e também grupos criminosos que assaltavam bancos e tomavam o controle de cidades para cometer assaltos, seguindo a prática conhecida como “novo cangaço”.

Em entrevista à TV Bahia, o delegado regional da Polícia Judiciária da PF-BA, Rodrigo Motta, disse que não há dúvidas de que os suspeitos estão “diretamente envolvidos com o crime”. O investigador destaca que a atuação do grupo prejudica o próprio trabalho da corporação militar.

“Com as investigações, a gente pode falar que eram pessoas que, na verdade, estavam ali com a farda de policial, a carteira de policial, mas que, na verdade, atuavam como se fossem bandidos, fornecendo armamentos e munição para facções criminosas”.

A origem do esquema

Os suspeitos começaram a ser investigados a partir da Operação Astreia, deflagrada em junho do ano passado na Bahia e nos estados de Sergipe e Pernambuco. O objetivo era desarticular um grupo criminoso especializado em tráfico de drogas e homicídios em Juazeiro.

Como lembra o delegado, a facção “atuava de forma muito violenta” para dominar a região, e iniciou uma guerra contra outros grupos. À época, o que mais chamou a atenção da polícia foi o aumento na taxa de homicídios — o Atlas da Violência, divulgado em junho, mostrou o município baiano como o quinto do país com maior taxa estimada de assassinatos em 2022.

Em meio a isso, o avanço das investigações apontou para a “possível existência de organização criminosa envolvida com o comércio ilegal de armas de fogo, munição e acessórios”, especialmente na cidade. Foi assim que, quase um ano depois, a PF chegou aos 19 alvos da “Operação Fogo Amigo”.

Verificou-se que os suspeitos seguiam dois modus operandi:

  • quando se tratava de armamento usado, os PMs retinham as peças apreendidas em operações policiais e depois revendiam para organizações criminosas;
  • para obter novos armamentos, os operadores do esquema usavam laranjas como CAC (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador).

Entenda o esquema para obtenção do registro abaixo ⬇️

  1. Primeiro, eles buscavam pessoas sem instrução, geralmente da zona rural das cidades e sem antecedentes criminais, para tirar o Certificado de Registro do Exército (CR) — necessário para obtenção do título de CAC.
  2. Garantido o registro, a pessoa comprava o artefato em lojas especializadas, também ligadas ao esquema, depois registrava um boletim de ocorrência por furto e dava a arma como extraviada para que não fosse conectada ao comprador final.

Como o trabalho da PF mostrou, o alto índice de violência em Juazeiro não é aleatório. O município de 237.827 habitantes, o quinto mais populoso da Bahia, segundo o Censo 2022, é o ponto de partida da prática criminosa.

 Foto: Divulgação/Prefeitura de Juazeiro

É de lá que eram enviadas as armas e munições que abasteciam facções do norte ao sul da Bahia. Além de alimentar o tráfico local, as remessas costumavam ser enviadas para SalvadorFeira de SantanaSanto Antônio de Jesus e Porto Seguro no território baiano, e para Aracaju, em Sergipe, e Petrolina, em Pernambuco.

O homem considerado o principal operador do esquema é Josenildo da Souza Silva, sargento da Polícia Militar pernambucana.

Ele, sozinho, teria movimentado R$ 2,1 milhões entre 2021 e 2023. Com a quebra de sigilo telefônico do suspeito, os investigadores encontraram conversas que mostram suas negociações para venda de munições, revólveres, pistolas, rifles e até fuzis — muitos desses artefatos são de calibre restrito.

A participação dos CNPJs

Um documento sigiloso obtido pela TV Bahia detalha que essas munições eram compradas ilegalmente em lojas especializadas. Para isso, os operadores do esquema usavam certificados de registro de arma de fogo e CPFs de terceiros, inserindo informações falsas no sistema.

Já as armas novas eram compradas nessas mesmas lojas em nome de laranjas. O passo seguinte era anunciar os itens em aplicativos de mensagens para revendedores, que recebiam comissão para negociar com os compradores finais, ou seja, os traficantes de drogas.

👉 São três as lojas acusadas de fazer parte do esquema:

  • a Universo Militar, em Juazeiro, que tem como proprietária oficial Queila Cristina Cardoso de Oliveira;
  • a Sport Tiro, em Petrolina, onde o marido de Queila, o bombeiro militar Isaac Junior Santos de Oliveira é sócio do irmão Gisnaac Santos de Oliveira, policial militar aposentado;
  • e a Comercial Taurus, em Arapiraca, cidade de Alagoas, gerida pelo empresário Eraldo Luiz Rodrigues.

Todos os proprietários foram alvos de mandado de prisão preventiva na operação.

As encomendas chegavam aos destinatários por meio de transportadoras. Para garantir o transporte sem flagras, os suspeitos fingiam que o envio era de outros materiais.

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