O setor industrial brasileiro afirma ser penalizado pela necessidade de se enquadrar em uma infinidade de normas – parte delas redundantes ou dispensáveis – voltadas à garantia da qualidade de produtos e serviços. De acordo com a pesquisa “Sondagem Especial: Infraestrutura da Qualidade Industrial”, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 65% das indústrias brasileiras consideram o sistema de garantias da qualidade de produtos e serviços oneroso.
A CNI ouviu 1,7 mil empresas das indústrias extrativa e de transformação. Destas, 704 são pequenas, 589 são médias e 407 são grandes.
Além disso, metade das indústrias afirma que a principal dificuldade para se manter atualizada é a grande quantidade de normas e regulamentos técnicos existentes; 29% afirmam que é a grande quantidade de órgãos que produzem normas e regulamentos técnicos; e 25% avaliam que a rápida velocidade com que os regulamentos mudam também é prejudicial.
“A pesquisa mostra que as empresas mais impactadas são as pequenas, que têm menos condições de acompanhar e entender as exigências atuais”, afirma a gerente de Estratégia e Competitividade da CNI, a economista Maria Carolina Marques.
Não à toa, apenas 27% das pequenas empresas afirmaram conhecer todas as exigências técnicas e 38% disseram conhecer a maior parte delas, enquanto o conhecimento das grandes empresas chegou a 56% e 32%, respectivamente.
Para Andrea Macera, secretária de Competitividade e Política Regulatória do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o desafio é ter uma infraestrutura de qualidade que não gere custos desnecessários.
“Reconhecemos, de toda forma, que há desafios enfrentados pelo setor produtivo, com maior impacto para micro e pequenas empresas em alguns casos, para se adequarem aos regulamentos técnicos e procedimentos de avaliação da conformidade”, diz.
Macera cita, como exemplo desses desafios, a necessidade de conhecimentos especializados e capacitação técnica em áreas específicas; dificuldade em acessar laboratórios e institutos de pesquisa em todas as regiões; e a necessidade de se investir em pesquisa e desenvolvimento para atender aos requisitos técnicos mais exigentes.
Contudo, a secretária faz ponderações sobre a necessidade de não partir para um outro extremo, reduzindo procedimentos indispensáveis na tentativa de reduzir custos.
“O cumprimento de requisitos estabelecidos em normas e regulamentos técnicos, bem como os procedimentos de avaliação da conformidade, que são a forma de demonstrar que eles cumprem com os requisitos envolvem, de fato, custos, seja para adaptação do produto ou do processo produtivo. Ao mesmo tempo,oferecem a garantia de qualidade, segurança e eficácia dos produtos e serviços, sendo, portanto, um diferencial para o consumidor é um elemento de competitividade”, avalia.
Segundo a CNI, a reclamação do setor industrial não é sobre manter os produtos em conformidade com os padrões de qualidade, o que é visto como investimento e parte da atividade empresarial. A dificuldade está em lidar com os regulamentos dispersos em mais de 30 órgãos do governo federal, com sobreposição de regulamentos técnicos e com a regulamentação excessiva de itens.
Isso ocorre porque o sistema de garantia da qualidade de produtos é constituído por componentes privados, baseados em normas técnicas e boas práticas adotadas voluntariamente pela indústria, e públicos, com regulamentos técnicos de caráter compulsório e fiscalização conduzidos pelo governo.
CNI propõe melhorias para estratégia nacional
A pesquisa realizada pela CNI também terá a missão de contribuir com a nova Estratégia Nacional de Infraestrutura da Qualidade (ENIQ), que vem sendo desenvolvida pelo governo brasileiro. Por isso, o documento foi entregue no início de fevereiro para o MDIC. A Estratégia é um instrumento para dar suporte ao setor produtivo de forma efetiva e garantir uma infraestrutura de qualidade robusta, segundo o governo.
Para facilitar o acesso das indústrias aos regulamentos técnicos, a CNI propõe a elaboração de uma plataforma on-line para registro de todos os regulamentos federais vigentes por produto ou atividade econômica.
“Essa é uma forma de resolver um problema sério, pois o grande número de reguladores resulta em uma dificuldade para as empresas identificarem as regulações e regulamentos a que estão submetidas e que precisam seguir. Além disso, também falta interação entre as autoridades reguladoras e, por isso, surgem regulações e regulamentos redundantes ou até mesmo incompatíveis, que tratam do mesmo produto ou atividade”, explica a gerente de Estratégia e Competitividade da CNI, Maria Carolina Marques.
Outra proposta é estabelecer um processo de dupla visita orientadora para fiscalizações de produtos com baixo risco à saúde e à segurança dos consumidores ou ao meio ambiente, com possibilidade de substituição de multas por avisos e instruções sobre as adaptações necessárias, em especial para empresas com histórico de conformidade.
Para Andrea Macera, do MDIC, a estratégia tem caráter inovador, pois deve prover uma visão estratégica e sistêmica para a Infraestrutura da Qualidade (IQ) no País, promovendo ações de curto, médio e longo prazo. O plano está em fase de elaboração e tem previsão de ser lançado oficialmente no final deste ano.
“A ENIQ contemplará os objetivos de desenvolvimento sustentável do Brasil, gerando sinergia de esforços públicos e privados e contribuindo para a simplificação e desburocratização; para o desenvolvimento produtivo e tecnológico do país; para a melhoria de competitividade do setor produtivo; para o aumento do acesso a mercados no exterior; para a geração de emprego e renda; para uma maior qualidade e segurança de produtos, serviços e processos; e para a atração de investimentos”, enumera a secretária.
Macera explica que a infraestrutura de qualidade é um dos principais instrumentos da política industrial. Por isso, a implementação da estratégia deverá conter ações que visam ao fortalecimento da infraestrutura da qualidade no país e à sua utilização como ferramenta de competitividade.
A perspectiva é que os elementos dessa infraestrutura ajudem na neoindustrialização, ao mesmo tempo em que colabora para a melhoria da produtividade e da competitividade da indústria no mercado doméstico e no externo.
Testes de qualidade voluntários
A pesquisa também respondeu se, na eventualidade de um produto não ser regulamentado, as empresas seguiriam os padrões de qualidade. Os dados mostram que a relação entre as indústrias, seus fornecedores e compradores, leva à busca pela qualidade industrial.
Entre as indústrias que seguem padrões privados, 71% realizaram testes ou ensaios nos últimos 12 meses para atestar a qualidade de seus produtos, percentual semelhante (72%) ao das indústrias sujeitas a regulamentos exigidos por órgãos do governo.
“A pesquisa revela que a obrigatoriedade do requisito de qualidade não é um fator determinante para o comprometimento das empresas com boas práticas de garantia da conformidade dos produtos. Seguir normas privadas pode ajudar as empresas a melhorar seus processos, aumentar a satisfação do cliente e alcançar um reconhecimento mais amplo no mercado nacional e internacional”, explica Maria Carolina Marques.
A adoção dessa boa prática só é menor entre as empresas que não souberam informar sequer a fonte dos requisitos técnicos de seus produtos, grupo no qual apenas 15% realizaram a contratação de testes e ensaios no ano anterior à pesquisa.