Dino sinaliza que deve propor responsabilização de plataformas no caso da uberização

Nesta semana, o ministro deixou extravasar suas preocupações sobre o julgamento da uberização, marcado para 3 de dezembro

Créditos: Bruno Peres

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), não costuma usar palavras em vão – por isso, um voto do magistrado não deve ser lido de forma isolada. Nesta semana, Dino deixou extravasar suas preocupações sobre o julgamento da uberização – marcado para 3 de dezembro –, especialmente sobre a responsabilidade das plataformas sobre os trabalhadores por aplicativos.

A manifestação não se deu nos autos do processo que discute o vínculo de motoristas e entregadores com plataformas digitais, mas, sim, em julgamento sobre a constitucionalidade de uma lei de São Paulo sobre transporte de moto por aplicativo e a necessidade de autorização dos municípios

Neste caso, não havia dúvidas dos problemas de competência da lei paulista e sua inconstitucionalidade. Mas Dino aproveitou o espaço para demonstrar sua preocupação com os entregadores e motoristas de aplicativo.

Logo no início do voto, Dino diz: “Apresento uma ressalva para debate posterior, nas searas legislativa, administrativa e judicial. A atividade de transporte individual por aplicativo não deve excluir um regime de direitos básicos aos prestadores de serviço”. Aqui, fica claro que o ministro não acredita que a solução para o fenômeno da uberização esteja apenas nas mãos do Judiciário.

A partir dessa frase, Dino começa a esmiuçar as preocupações com o tema, como, por exemplo, os direitos fundamentais para trabalhadores, como férias, repouso semanal remunerado, seguro contra acidentes, aposentadoria, licença maternidade e paternidade, entre outros. Para ele, embora seja um regime híbrido de trabalho, esse grupo trabalha “de modo subordinado em proveito econômico de empresas que organizam o serviço prestado a terceiros”. O recado é que as plataformas devem ter algum tipo de responsabilização com os entregadores e motoristas.

E o magistrado vai além sobre a responsabilidade das plataformas e critica os índices de desempenho exigidos pelas plataformas aos trabalhadores. “A gamificação do trabalho não pode conduzir a paradigmas insustentáveis e irresponsáveis. Seres humanos não são personagens de videogame, com múltiplas ‘vidas’ — a serem exploradas ao máximo e descartadas como um produto de consumo qualquer’.

Dino também deixa claro a preocupação dos efeitos da exaustão dos motoristas e motociclistas de app na sociedade. Demonstrando que a discussão não fica apenas entre as empresas e o trabalhadores, mas todos. “Trabalhadores extenuados, ‘recompensados’ por não descansar e compelidos a transitar em altas velocidades, podem vulnerar a segurança dos consumidores dos serviços e dos demais participantes do trânsito das grandes cidades, sobretudo pedestres”, escreveu.

O ministro diz que o lucro é legítimo, mas é preciso assegurar a todos existência digna, o que vale, inclusive, às empresas que organizam os serviços de transporte individual de passageiros e lucram com tais atividades. Novamente, trazendo para as empresas a responsabilidade sobre esse grupo de pessoas.

Durante as sustentações orais da ação da uberização, Dino fez perguntas e pediu memorial complementar às partes para fazer uma reflexão sobre a “liberdade algorítmica” e como funciona a sanção aos trabalhadores via algoritmo. Na ocasião, Dino disse que é preciso analisar se existe paridade entre as partes para que o contrato civil seja aplicado entre plataformas e os entregadores/motoristas.

Em suas manifestações, Dino começa a deixar claro suas preocupações e sinaliza que deve trazer em seu voto algum grau de responsabilização das empresas. Em um cenário que deve prevalecer a ausência de vínculo celetista, a aderência a uma tese de responsabilização das plataformas deve fazer parte dos debates e deve ser um forte elemento na decisão do Supremo.

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