‘Fantasma de Carlota’? Aparição misteriosa em janela de prédio reacende lendas e provoca polêmica; entenda

Imagem de mulher possivelmente nua registrada durante protesto em San Luis Potosí levou governador a sugerir aparição do fantasma de uma antiga imperatriz, gerou piadas e segue sem explicações

Foto: Leo Torres Hernández 

A figura filmada pela janela de um prédio histórico do governo parecia ser uma mulher. Alguns disseram que ela estava nua; outros, que vestia um leve roupão. Do alto do segundo andar, ela olhou brevemente para os manifestantes do lado de fora — um deles apontando a câmera do celular em sua direção — e então caminhou para a escuridão, desaparecendo de vista.

As imagens, gravadas em abril deste ano durante um protesto de professores por melhores salários na praça principal de San Luis Potosí, cidade no centro do México, espalharam-se pela internet e levantaram as perguntas óbvias: quem era essa pessoa? Por que estaria vestida, ou despida, daquela forma em um prédio do governo estadual? E teria ela alguma ligação com o governador ou outro funcionário público?

A sugestão do governador só atraiu mais atenção: poderia ser o fantasma de Carlota, a única imperatriz do México, uma mulher cujo breve e turbulento reinado no século XIX a transformou em figura lendária.

Mistério?

As declarações chamaram atenção nacional para o mistério — e renderam piadas, ceticismo e críticas ao governador, acusado de tentar desviar o foco dos protestos dos professores, dos gastos do governo e de outros problemas.

— Se fosse mesmo um fantasma, todo mundo teria reagido na hora — disse Leo Torres Hernández, de 54 anos, um dos professores que protestavam naquele dia pelo que chamavam de salários não pagos: — Mas ninguém reagiu. Não é um fantasma. Alguém estava lá.

O episódio chegou a ser comentado pela presidente Claudia Sheinbaum: “Devemos sempre respeitar os espaços públicos, especialmente os locais históricos”.

Meses depois, as perguntas sobre a figura na janela continuam sem resposta. Ninguém se apresentou como sendo a pessoa, nem foi identificada publicamente. Havia centenas de professores protestando naquele dia, e não ficou claro quem exatamente gravou as imagens, embora tanto o professor quanto o governador tenham dito que foi um manifestante.

Nesta semana, às vésperas do Halloween e do Dia dos Mortos, o governador Ricardo Gallardo Cardona autorizou jornalistas do New York Times a entrarem no prédio do governo e falou mais sobre a investigação.

— No começo pensamos: “Será que é alguém vivo, posando de roupão àquelas horas?” — disse Gallardo Cardona, de 44 anos, em entrevista.

Ele contou que a equipe de segurança do estado usou tecnologia de aprimoramento de vídeo — normalmente aplicada na leitura de placas de carro à distância — para dar zoom na figura borrada e tentar determinar se se tratava de uma funcionária pública.

— Não dá pra ver o rosto — afirmou o governador, acrescentando que a pessoa que filmava estava transmitindo ao vivo no Facebook naquele momento.

Cômodo desativado

A equipe também analisou as câmeras de segurança do prédio. O cômodo em questão, desativado, tem várias janelas voltadas para a praça principal, uma escada que leva a um escritório jurídico e uma porta, geralmente trancada, que dá acesso a um auditório. Segundo Gallardo Cardona, as câmeras não mostraram ninguém entrando ou saindo da área.

Como surgiu, então, a ideia de um fantasma?

“Para os funcionários de lá, é muito comum ver coisas no andar de cima, ouvir barulhos”, disse o governador, acrescentando que entre as aparições relatadas estaria a de uma mulher. Ele contou que costuma trabalhar em outro prédio — e que estava fora da cidade no dia do ocorrido —, mas que também evita permanecer no local até tarde.

— Quando trabalho no andar de cima, ouço muitos ruídos do outro lado do corredor — afirmou.

A imperatriz Carlota, contudo, não parece ter qualquer ligação histórica com o prédio do governo, e o próprio governador reconheceu que talvez tenha se confundido com a história.

Carlota era uma princesa belga que se casou com Maximiliano, arquiduque austríaco nomeado imperador do México por Napoleão III em 1864, após a invasão francesa. A imperatriz viveu no país por apenas dois anos — e nenhum deles em San Luis Potosí.

Gallardo Cardona disse ter lido que Carlota pedira ao presidente mexicano Benito Juárez que poupasse a vida do marido, capturado em 1867 e condenado por traição. Nessa época, ela já havia voltado à Europa, inclusive quando Maximiliano foi executado por um pelotão de fuzilamento.

O governador sugeriu ainda outra possível candidata a fantasma: a princesa Agnes Salm-Salm, que de fato visitou o prédio do governo e implorou pela vida do marido e de Maximiliano. Duas estátuas e uma placa dentro do edifício lembram esse episódio.

Mesmo assim, Carlota continua a ocupar um lugar especial no imaginário mexicano, apesar de sua breve passagem pela história do país, explicou Erika Pani, professora de História do Colégio do México. Embora ela e Maximiliano simbolizassem o imperialismo europeu para alguns, Pani afirmou que Carlota se tornou uma figura trágica — por seu idealismo inicial em governar o México, pela execução do marido e pelos problemas mentais que enfrentou desde jovem.

Muito tempo após sua morte, na Bélgica, em 1927, Carlota foi amplamente retratada na cultura popular, de peças de teatro a filmes. “O trágico é o que leva as pessoas a pensar que ela não descansou e a considerá-la uma alma inquieta”, disse Pani.

Gallardo Cardona concordou.

— Talvez ela não apareça só em San Luis — sugeriu: — Imagine o Castelo de Chapultepec à meia-noite — afirmou, referindo-se ao castelo histórico na Cidade do México onde Carlota e Maximiliano viveram, e onde alguns afirmam que ela ainda aparece.

Exorcismo

Em San Luis Potosí, os moradores têm suas próprias opiniões.

Torres Hernández, o professor, disse acreditar que o governador apenas tenta distrair o público. Ramón Govea, de 83 anos, aposentado de uma fábrica de pneus que critica os gastos do governo Gallardo Cardona, zombou da explicação do fantasma. “Como vou acreditar nisso?”

Pelo menos uma moradora concorda com o governador.

— Depende da imaginação de cada um — disse Claudia Aguilar, de 27 anos, optometrista e maquiadora que recentemente se vestiu de caveira para um ensaio de Dia dos Mortos: — Nesse caso, prefiro acreditar que sim, algo apareceu, porque há muita história para contar aqui em San Luis Potosí. Existem muitos mitos, histórias e lendas urbanas.

Gallardo Cardona disse entender o ceticismo das pessoas. Ele afirmou não acreditar exatamente em fantasmas, mas sim em “energias”, mencionando que lhe disseram que a energia de seu falecido avô ainda permanece na casa dos avós.

E considera seu estado um lugar especialmente espiritual.

— Aqui, o misticismo do Dia dos Mortos abrange lendas e muitas coisas que para uns são verdadeiras e para outros não — declarou: — Na cultura dos Estados Unidos, o Halloween não é real. É uma cultura de consumismo, doces, fantasias, comprar máscaras do Freddy Krueger e fazer mais filmes.

Em abril, porém, o governador havia dito que queria se livrar do que quer que estivesse assombrando o palácio — fosse real ou fantasmal — e que cogitava realizar um exorcismo. Mas nesta semana, afirmou, de modo enfático, que não tem planos para isso.

— Porque, se fizermos isso, vão dizer: “Esse maldito governador é louco e continua com suas besteiras”.

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