
A Polícia Civil de São Paulo indiciou o deputado estadual Lucas Diez Bove (PL) pelos crimes de perseguição e violência psicológica contra a influenciadora digital e ex-esposa, Cíntia Chagas. O inquérito conduzido pela 3ª Delegacia de Defesa da Mulher da capital foi concluído em 15 de setembro e encaminhado à Justiça.
Segundo o relatório de 60 páginas, a investigação reuniu provas de que Bove submeteu a ex-mulher a ameaças, chantagens e tentativas de controle de sua carreira profissional. Em depoimento, Cíntia afirmou ter recebido mensagens em que o parlamentar dizia que iria “acabar com a carreira dela” caso não aceitasse assinar contratos com cláusulas consideradas abusivas.
Ela relatou ainda que o ex-marido ameaçou expor intimidades e editar vídeos para prejudicar sua imagem na internet.
Chagas é uma influenciadora com mais de 6 milhões de seguidores nas redes sociais e, no ano passado, prestou queixa contra o deputado e relatou uma série de abusos físicos e psicológicos durante o relacionamento de mais de dois anos que teve com o político.
Em 2024, a Justiça concedeu medida protetiva e instaurou um inquérito para apurar o caso. Na época, a defesa da influenciadora chegou a pedir a prisão do político por violação de medidas cautelares.
Em agosto, o Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) decidiu arquivar a denúncia contra o deputado estadual, acusado de quebra de decoro parlamentar após as denúncias da ex-esposa.
Testemunhas ouvidas pela polícia, entre elas a assessora da influenciadora, confirmaram episódios de controle e menosprezo, segundo o relatório. A investigação também reuniu registros de ligações feitas de números da Assembleia Legislativa e de mensagens enviadas por advogados ligados ao deputado pressionando Cíntia a aceitar os termos do divórcio.
A delegada Dannyella Gomes Pinheiro destacou que, mesmo após a separação, Bove manteve contatos insistentes e chegou a utilizar terceiros para se aproximar da ex-esposa, o que caracterizou perseguição.
“Restou plenamente provado que Lucas Diez Bove praticou os crimes previstos nos artigos 147-A e 147-B do Código Penal, no âmbito da Lei Maria da Penha”, escreveu a delegada no despacho final.
O inquérito não resultou em indiciamento por lesão corporal. A delegada alegou que não foi possível comprovar se as marcas roxas apresentadas pela vítima eram decorrentes de agressões físicas. No entanto, o relatório ressalta que as ameaças estão incluídas no contexto mais amplo da violência psicológica.
Medida cautelar contra ex-mulher
Paralelamente ao inquérito, tramitava na Justiça uma medida cautelar solicitada pelo deputado para proibir Cíntia de fazer publicações sobre o processo em redes sociais, sob alegação de que ela estaria divulgando informações sigilosas. A decisão havia sido concedida inicialmente por um juiz do Juizado Especial Criminal.
No entanto, em parecer apresentado na quinta-feira (25), o Ministério Público (MP) pediu a revogação da cautelar. O promotor Fernando Cesar Gomes de Souza argumentou que não existe inquérito específico que investigue a suposta violação de sigilo por parte da influenciadora, o que inviabilizaria a restrição.
Segundo o documento, manter a proibição configuraria risco de “violência institucional” contra uma possível vítima de violência doméstica, além de cercear de forma indevida sua liberdade de expressão.
O MP destacou ainda que, em casos semelhantes, a Justiça já decidiu que medidas dessa natureza só podem ser adotadas em caráter excepcional e quando vinculadas a uma investigação ou ação penal em andamento.
A medida cautelar contra Cíntia Chagas ainda não caiu automaticamente. O que aconteceu é que o MP recomendou sua revogação, em parecer enviado à Justiça.
Agora cabe ao juiz analisar esse pedido:
- Se o juiz acatar o parecer, a cautelar deixa de valer e Cíntia pode se manifestar livremente nas redes;
- Enquanto não houver decisão formal, a medida segue em vigor, mas a tendência é que seja derrubada, já que o MP considerou que ela não tem base legal.
Exemplo para outras denúncias
A influenciadora afirmou que espera que a denúncia sirva de exemplo para outras mulheres.
“Sou, até onde sei, a segunda a sofrer agressões dele. Um praticante recorrente de violência contra mulheres jamais poderia legislar como deputado. Espero, então, que essa nova vitória judicial sirva como ferramenta basilar para o fim do corporativismo masculino na Alesp”, disse.
A defesa da influenciadora afirmou, em nota, que “o indiciamento de Lucas Bove por violência doméstica, especialmente por stalking e violência psicológica, é uma vitória importante — ainda que aguardemos a denúncia do Ministério Público”.
“Respeito profundamente o trabalho da delegada, que tem atuado com imparcialidade e seriedade, mas entendo que a denúncia também deva englobar a violência física, que está comprovada nos autos”, diz trecho (leia íntegra abaixo).
Já a defesa do deputado apresentou declarações de pessoas próximas a ele que negaram episódios de agressividade e afirmaram que Bove sempre manteve comportamento respeitoso. O parlamentar, em depoimento, também negou as acusações e disse que nunca usou a arma que possui de forma intimidatória contra a ex-mulher.
Vídeo gravado nas redes sociais
Em 11 de outubro de 2024, Lucas Bove publicou um vídeo nas suas redes sociais para se manifestar em relação à acusação da ex-mulher Cíntia Chagas sobre violência doméstica.
No vídeo, ele diz que não pode comentar sobre o caso por uma decisão judicial e que “a verdade será restabelecida”.
“Na verdade, eu não vou me manifestar porque não posso me manifestar por uma decisão judicial, um processo que corre em segredo de justiça. Eu estou proibido de falar qualquer coisa sobre isso, citar nomes. Estou de mãos atadas, de boca amordaçada. Mas tenho certeza que no momento certo a verdade será restabelecida e, enfim, só vim dizer a vocês que a minha agenda vai continuar, o meu compromisso com o meu trabalho vai continuar. Vou continuar trabalhando por pior que esteja me sentindo”, afirmou.
Contudo, na legenda do vídeo, o deputado negou que tenha cometido qualquer agressão e ressaltou novamente que a Justiça prevalecerá.
“Hoje meu coração está ferido, jamais esperava isso de quem tanto amei e cuidei. Para começar: Eu jamais encostaria a mão para agredir uma mulher. Em nome do engajamento, ignoram a cronologia dos fatos, selecionam maldosamente trechos descontextualizados e inúmeras outras inconsistências que, para quem estava dentro da situação, são claras”.
“Já vimos diversas condenações nos tribunais da internet serem revertidas depois, mas as consequências na vida das pessoas muitas das vezes são irreversíveis. Sigo trabalhando, agradecendo as mensagens de apoio e suportando as mais pesadas críticas que venho recebendo na certeza de que, no final, a Justiça será feita e o bem e a verdade prevalecerão”, escreveu.
Nota da defesa da influenciadora
“O indiciamento de Lucas Bove por violência doméstica, especialmente por stalking e violência psicológica, é uma vitória importante — ainda que aguardemos a denúnica do Ministério Público. Respeito profundamente o trabalho da delegada, que tem atuado com imparcialidade e seriedade, mas entendo que a denúncia também deva englobar a violência física, que está comprovada nos autos.
Esse indiciamento também comprova o absurdo da censura imposta contra Cíntia. Ela foi proibida de falar sobre o processo por meio de medidas cautelares que só poderiam existir se houvesse investigação ou ação penal contra ela — algo que nunca existiu. Essa tentativa perversa de inverter a realidade e transformar a vítima em acusada causou-lhe enorme constrangimento e já foi reconhecida pelo próprio Ministério Público, que requereu a imediata revogação dessas cautelares impostas contra Cíntia
É preciso lembrar que o segredo de justiça tem por finalidade proteger a mulher vítima de violência, e não blindar o agressor. Infelizmente, o que temos visto, não apenas no caso de Cíntia, mas também em outros, é a instrumentalização do sistema de justiça para perseguir, silenciar e processar mulheres que tiveram a coragem de denunciar. Isso gera medo, faz com que muitas desistam, se calem e até adoeçam. Essa distorção não pode ser normalizada.
Ninguém tem o direito de transformar em vilã uma mulher que denuncia violência, sobretudo quando essa violência é cometida por autoridades ou pessoas em cargos públicos. É exatamente nesses casos que o Estado precisa estar ainda mais atento, para que o poder não seja usado como arma de opressão contra as vítimas.”