Decano do STF dá recado a governo sobre urgência de ações concretas para soberania digital

Crédito: Victor Piemonte/STF

Por trás da declaração do ministro Gilmar Mendes sobre a soberania digital, existe uma preocupação de que o Brasil deve, com urgência, priorizar o tema que coloca em risco as instituições brasileiras — somada à percepção, por parte do governo e de outros atores políticos, de que o objetivo é influenciar as eleições do ano que vem.

“A soberania digital deve constituir prioridade estratégica imediata para o Brasil”, escreveu o ministro na rede social de Elon Musk. “Vivemos uma dependência crítica de infraestrutura digital controlada por empresas estrangeiras”, continuou.

Há uma premissa importante para analisar a mensagem, que dialoga com o discurso que Lula vem adotando e que foi reforçado ontem em reunião ministerial: a ofensiva de Donald Trump contra o Brasil expôs um cenário perigoso de falta de políticas públicas digitais, que coloca o Brasil em situação de grande vulnerabilidade.

Há uma avaliação de que, sem o controle da infraestrutura nacional de dados e de estrutura regulatória para dirimir o poder de poucas organizações, o Brasil fica numa situação em que tem a soberania jurídica garantida pela Constituição, mas não tem uma soberania de fato, já que não controla os sistemas que hoje mandam de fato no mundo.

A obrigatoriedade de que provedores de aplicações mantenham datacenters no país já foi discutida e rejeitada no Congresso, durante a tramitação do Marco Civil da Internet (MCI).

À época, em meio às revelações de espionagem por parte dos Estados Unidos pelo ex-terceirizado da NSA Edward Snowden, o governo Dilma Rousseff (PT) defendeu o ponto, mas ficou isolado e saiu derrotado. As empresas argumentaram que a medida poderia limitar o acesso de usuários brasileiros a serviços, mesma retórica usada para rejeitar outras tentativas de regulação.

Porém, desde a aprovação do MCI, há 11 anos, o cenário mudou no Brasil e no mundo — com escândalos relacionados à coleta de dados e a óbvia relevância das redes em períodos eleitorais. Tudo isso, sem contar a importância que a coleta e o tratamento de dados ganham na era do desenvolvimento da inteligência artificial. Desse modo, de lá para cá, legislações com requisitos de localização de dados foram aprovadas por diversos países.

Tom é de crítica ao governo – e não alinhamento

É nessa mudança de vento que a fala de Gilmar se encaixa. A situação atual é que os sistemas financeiros e tecnológicos mais utilizados por usuários brasileiros estão, em sua maioria, sob o controle de empresas com sede nos Estados Unidos, exatamente o país que promove o ataque à soberania brasileira. 

Existe também um incômodo em relação ao que consideram a falta de priorização por parte do governo sobre tais temas, que estariam sendo considerados estratégicos no discurso, mas que não ganham tração, nem o foco devido desde a derrota do PL 2.630/2020, o “PL das Fake News”.

O ministro resolveu chamar a atenção de Lula ao constatar o pouco que o Brasil pode fazer para negociar as tarifas ou as amarras que instituições financeiras dizem ter — a fim de  evitar que, por exemplo, a Lei Magnitsky seja aplicada indevidamente. 

Embora a coincidência temporal entre as falas de Gilmar e Lula levante inquietações em setores como o mercado de que o país estaria buscando escalar a crise com Trump, nesse caso não houve efetivamente uma dobradinha. A lógica do decano na verdade foi alertar e não se alinhar ao governo.

O recado é que é preciso ir além do discurso de enfrentamento que tem adotado. Em sua visão, o país deveria avançar projetos que buscam incentivar a construção de datacenters no Brasil, ampliar o mercado para empresas de outros países e focar na aprovação do projeto que busca regular o processo de análise concorrencial do mercado digital, só para citar alguns exemplos

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