
Em meio à mais recente crise entre Brasil e Estados Unidos — com tarifas impostas por Washington a produtos estratégicos brasileiros e críticas veladas ao nosso sistema institucional — um enredo mais profundo começa a se desenrolar. Vai muito além da economia: é xadrez político de alto nível, onde Luiz Inácio Lula da Silva move suas peças com a habilidade que o consagrou nas últimas décadas.
De um lado, Donald Trump tenta consolidar seu poder nos EUA com discursos duros, nacionalistas e medidas protecionistas. Do outro, Lula responde não só com diplomacia, mas com articulação internacional e movimentos internos que fortalecem sua imagem perante o povo e o mundo. O presidente brasileiro transformou o ataque em oportunidade: uniu setores opostos dentro do país em defesa do Brasil — empresários, movimentos sociais, políticos de centro e até conservadores que criticam o extremismo de ambos os lados.
A crise, que inicialmente parecia enfraquecer a economia brasileira, está revelando outro desfecho: ela está escancarando a dependência de setores norte-americanos do que o Brasil produz. Empresários dos EUA já sentem o impacto e pressionam por uma reavaliação das medidas de Trump. A retaliação teve efeito bumerangue.
Internamente, Lula também joga bem. Diante das insinuações sobre interferência do Judiciário ou de que há uma “ditadura da toga”, o presidente age com prudência. Em vez de alimentar conflitos institucionais, mantém a serenidade, respeita a autonomia dos poderes e aposta na imagem de um Brasil democrático e maduro — o oposto da instabilidade trumpista.
Mais do que uma disputa comercial, estamos assistindo a uma batalha de narrativas. Enquanto Trump aposta no caos, Lula aposta na reconstrução da confiança, interna e externa. E, pelo andar do jogo, o presidente brasileiro parece estar sempre um movimento à frente.
Não é a primeira vez que EUA tenta interferir de forma arbitrária na soberania brasileira

A relação entre Brasil e Estados Unidos tem um passado marcado por interesses geopolíticos e econômicos, nem sempre transparentes. Desde a Segunda Guerra Mundial, Washington enxerga o Brasil como uma peça estratégica no tabuleiro da América Latina. E, ao longo das décadas, isso se traduziu em diversas tentativas de interferência.
Década de 1960: o apoio ao golpe militar
A mais emblemática aconteceu em 1964. Documentos desclassificados da CIA e do Departamento de Estado revelaram que os EUA apoiaram ativamente o golpe militar que depôs o presidente João Goulart. Temendo um suposto avanço do comunismo, os americanos forneceram apoio logístico, financeiro e político aos conspiradores.
A chamada “Operação Brother Sam” previa até mesmo o envio de uma frota naval americana para apoiar as forças golpistas, caso encontrassem resistência armada. A ditadura instaurada com apoio americano duraria 21 anos, com repressão, censura e violações aos direitos humanos.
Década de 1970: sustento ao regime
Durante os anos de chumbo, os EUA mantiveram relacionamentos estreitos com os militares brasileiros, fornecendo treinamento, armas e suporte diplomático. Agentes brasileiros participaram de cursos na Escola das Américas, onde aprenderam técnicas de repressão e contra-insurgência.
Anos 1980 e 1990: interferência econômica
Com o fim da ditadura, a interferência não cessou, mas mudou de forma. Durante as décadas de 80 e 90, os EUA, através do FMI e de instituições multilaterais, pressionaram o Brasil a adotar políticas neoliberais, privatizações e abertura econômica, muitas vezes desfavoráveis à indústria e à soberania nacionais.
Século XXI: espionagem e tentativas de influência
Em 2013, revelações de Edward Snowden mostraram que a Agência de Segurança Nacional (NSA) espionou ativamente o governo brasileiro, empresas como a Petrobras e até comunicações da então presidente Dilma Rousseff.
Além disso, constantemente há denúncias e indícios de tentativas de interferência em processos políticos, econômicos e ambientais, principalmente quando interesses americanos se sentem ameaçados — como nas questões da Amazônia, petróleo e políticas externas independentes.
Hoje: novas formas, o mesmo jogo
Atualmente, a disputa ocorre em um terreno mais sofisticado: guerra de narrativas, influência digital, pressão econômica e lobby em organismos internacionais. As tentativas de enfraquecer o Brasil como potência regional persistem, e a recente crise envolvendo tarifas e pressões diplomáticas é apenas mais um capítulo dessa longa história.
Por| Alenilton Malta
