
Para tentar adiar ou reverter, ainda que parcialmente, o tarifaço anunciado por Donald Trump, o governo brasileiro flexibilizou o discurso em relação às big techs e assumiu compromisso com as plataformas de negociar a regulamentação das redes sociais e a concessão de benefícios fiscais direcionados ao setor.
Na tarde de ontem (29), o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, se reuniu por quase duas horas com executivos da Meta, Google, Amazon, Apple, Visa, Mastercard e Expedia.
Foi o segundo encontro com as big techs desde o anúncio de Trump de que as importações brasileiras terão uma sobretaxa de 50%. Dessa vez, as plataformas apresentaram uma lista de demandas que vão ser negociadas, daqui pra frente, em uma mesa específica de trabalho.
Até então, o posicionamento do governo Lula era de que a regulamentação das big techs era algo inegociável por se tratar de um tema interno e que envolve a soberania nacional. Diante da proximidade e da aparente irreversibilidade do tarifaço, o governo brasileiro sinalizou às plataformas disposição em negociar.
Na avaliação de integrantes do primeiro escalão do governo, trata-se de um gesto do Palácio do Planalto para demonstrar que o Brasil está realmente disposto a dialogar pautas concretas.
Para aliados de Lula, os interesses das big techs são um elemento central na decisão de Trump de taxar o Brasil, dado o grau de influência das empresas do Vale do Silício junto à Casa Branca.
Apesar do avanço nas conversas, o diagnóstico no governo é que dificilmente Trump recuará antes de sexta-feira (1°), quando as tarifas começam a valer. Os negociadores brasileiros, no entanto, avaliam que as tratativas que envolvem as big techs são as que mais evoluíram até agora nas negociações entre Brasil e EUA.
Demandas das big techs
Um representante do Departamento de Comércio norte-americano, cujo nome não foi divulgado, também participou do encontro com Alckimin na tarde de ontem (29). Segundo vice-presidente, essa participação foi acertada com o secretário de Comércio, Howard Lutnick, que conversou com Alckmin na segunda-feira. A reunião teve ainda a participação de integrantes do Ministério da Fazenda e da Secom (Secretaria de Comunicação Social) do governo brasileiro.
Segundo autoridades que participaram do encontro, as plataformas se queixaram da decisão recente do STF (Supremo Tribunal Federal) de ampliar a responsabilização das redes pelos conteúdos postados e de estabelecer novas obrigações para que as big techs atuem no Brasil.
Os representantes do governo brasileiro sinalizaram às plataformas que algumas demandas apresentadas podem ser discutidas e absorvidas em duas propostas para o setor que estão praticamente prontas.
Uma medida é um projeto de lei que trata da regulação de conteúdo, com foco na prevenção de crimes virtuais, tais como estelionato, pornografia infantil e incentivo a atos de violência de adolescentes. A proposta já foi estruturada pelo Ministério da Justiça e pela Secom. O Planalto aguardava a conclusão do julgamento do tema no Supremo e esperava um momento propício para encaminhar ao Congresso.
A outra proposta, inspirada numa lei aprovada em 2024 no Reino Unido, trata da regulação financeira e de medidas antitruste. A ideia é dar mais poder ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para frear medidas monopolistas das gigantes do setor.
Data centers
Outra demanda das big techs está relacionada com os data centers, que são equipamentos de grande porte usados para armazenar e processar as informações produzidas pelas plataformas, incluindo conteúdo elaborado por Inteligência Artificial.
A Fazenda já concluiu uma medida provisória que cria a Política Nacional para os data centers e prevê um regime fiscal especial para o setor. A proposta inclui isenção total de impostos federais, pelo período de pelo menos um ano, para a aquisição de componentes utilizados na montagem dos data centers. A medida está em análise na Casa Civil.
O Brasil é considerado estratégico por dispor de grande quantidade de fontes de energia limpa, abundante e barata para abastecer os data centers, que funcionam por meio de um consumo gigantesco de eletricidade.
Estes equipamentos, por sua vez, são centrais na corrida pela informação e na disputa de hegemonia da IA, uma batalha que opõe Estados Unidos e China.
As big techs do Vale do Silício cobram do governo brasileiro agilidade na apresentação da Política Nacional de data centers e querem, ao menos, os mesmos incentivos às empresas associadas às big techs chinesas.
Taxação das big techs e pix
Outro ponto mencionado pelas plataformas na reunião foi a possibilidade de o Brasil taxar as big techs como medida de reciprocidade ao tarifaço de Washington. Lula chegou a declarar, em discurso, que iria taxar as empresas do setor.
Segundo fontes que estavam na reunião de ontem, não houve a garantia do governo brasileiro de que as plataformas não serão taxadas, mas o secretário de Políticas Econômicas da Fazenda, Guilherme Mello, que estava no encontro, avisou que, se qualquer decisão for tomada nesse sentido, haverá diálogo prévio com as big techs para que ninguém seja pego de surpresa.
Na conversa, as empresas de cartão de crédito apresentaram ainda críticas ao pix, entre elas à possibilidade do parcelamento de compras pelo sistema. O tema, no entanto, não irá integrar a mesa de negociação por tratar-se de uma demanda específica das empresas de cartão, e não das big techs como um todo.