Contra-ataque? A estratégia do governo brasileiro para enfrentar a ameaça de tarifaço de Donald Trump

Photo by Daniel Torok

A sobretaxa de 50% anunciada por Donald Trump para as exportações do Brasil, país que julga “não estar sendo bom para os americanos”, tomou conta do debate político e acirrou o confronto do governo Lula com o bolsonarismo. O evento, de largas proporções, tem desdobramentos ainda imprevisíveis para o jogo político, mas o governo brasileiro já escolheu suas armas: empunhar a bandeira do nacionalismo/patriotismo, acusar a oposição bolsonarista de “entreguista” e falar em “reciprocidade”, conceito que foi aprovado em lei pelo próprio Congresso Nacional, de olho nos movimentos americanos.

Nos bastidores, o governo Lula tentou passar uma sensação de que não houve exatamente uma surpresa com mais este ataque de Trump, embora, mantida essa elevação, os impactos econômicos provavelmente serão mais concretos e negativos para o país.

Alguns interlocutores apontam que o americano pode não parar por aí, embora parte das avaliações seja de que a estratégia de múltiplos objetivos pode fazer com que ele alivie o tarifaço, em um jogo de cena para se mostrar sensível a eventuais apelos de Jair Bolsonaro.

Reciprocidade é resposta inevitável

Pela primeira vez desde março, quando os EUA anunciaram as primeiras taxas que afetaram o Brasil, fala-se efetivamente em “reciprocidade”, expressão incluída na nota divulgada nesta noite pelo presidente Lula. Ainda se evita usar a palavra “retaliação”, pelo menos publicamente. Mas o sentimento agora é de que uma resposta é necessária, ainda que dosada para ter a proporção correta para não alimentar uma escalada.

“É como o que aconteceu com o IOF, passaram de uma linha que: ou você reage, ou entrega”, afirmou um integrante do alto escalão do governo. O decreto efetivando os termos práticos da reciprocidade, onde exatamente se aplicariam sanções para os produtos ou serviços americanos, já está sendo preparado pelo Ministério da Indústria e Comércio (MDIC), comandado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, segundo apurou o analista de política do JOTA, Fabio MuraKawa.

A bandeira do nacionalismo/patriotismo já começou a ser agitada pela base governista no Congresso, com um combinado de entrevistas coletivas e pronunciamentos incisivos no plenário da Câmara. Nas redes sociais, o tema da defesa nacional também pegou fogo, com os governistas seguindo o tom do salão verde e acusando a oposição bolsonarista de “lesa-pátria”. E não faltaram lembranças de que o governador de São Paulo e possível presidenciável, Tarcísio de Freitas, recentemente estava vestindo boné com o lema de Trump, cuja taxação impacta bastante o estado de São Paulo.

A relação tóxica com os EUA de Trump mostrou potencial de votos no Canadá, no México e na Austrália. Para o Brasil, porém, há uma peculiaridade que precisa ser levada em conta: a eleição ainda está longe. Apesar de a corrida pelo Planalto já ter se iniciado na prática, até outubro de 2026 ainda tem chão e o tarifaço pode fazer estragos importantes na economia, seja diretamente pela via do comércio, seja pelo aumento da incerteza e seus impactos nos ativos, como a taxa de câmbio, que nesta quarta voltou à marca de R$ 5,50 por dólar. E isso também tem desdobramentos políticos.

Depois de trocas de farpas entre Trump e Lula nos últimos dias, a embaixada dos EUA no Brasil publicou nota malcriada em que volta a defender Bolsonaro. O Itamaraty reagiu e chamou o encarregado de negócios americanos à chancelaria para manifestar seu desagrado. Pouco depois, Trump oficializou o anúncio da tarifa de 50%. E Lula foi às redes avisar que agirá com reciprocidade, lembrando que os EUA têm superávit comercial com o Brasil.

Nesta noite, o encarregado de negócios foi chamado ao Ministério das Relações Exteriores pela segunda vez, algo inédito na diplomacia brasileira e que evidencia a gravidade do momento. Segundo fontes ouvidas pelo JOTA, a secretária de Europa e América do Norte do MRE, embaixadora Escorel, pediu ao encarregado que confirmasse a autenticidade da carta, já que ela foi divulgada antes que chegasse ao destinatário, no caso o governo brasileiro. Ele confirmou. E teve como resposta da embaixadora brasileira a devolução da carta, tratada como ofensiva e com várias afirmações inverídicas sobre o Brasil, além de erros factuais sobre a relação comercial bilateral.

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