Entenda atuação de servidores públicos em esquema que desviou R$ 46 milhões de ações de saúde em Salvador

 Foto: Reprodução

Investigações da Controladoria-Geral da União (CGU) apontaram “sobrepreço” em um contrato firmado entre a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Salvador e o Instituto Nacional de Tecnologia e Saúde (INTS). De acordo com o órgão, o esquema envolveu servidores públicos e causou um prejuízo estimado em R$ 46 milhões entre outubro de 2013 e setembro de 2023.

Na quinta-feira (12), 25 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em SalvadorMata de São João, na região metropolitana, Itapetinga, no sudoeste da Bahia, e em Maceió, no estado de Alagoas.

A operação, batizada como “Dia Zero”, teve 21 alvos: 11 empresas e 10 pessoas, entre elas o servidor público Ariovaldo Nonato Borges Júnior. As investigações apontam que ele seria o chefe do grupo.

Conforme o documento a que o g1 e a TV Bahia tiveram acesso, os suspeitos geravam sobrepreço nas compras por meio de uma duplicidade no pagamento dos serviços.

Entenda como os servidores atuavam para realizar os desvios de verba pública:

  • Núcleo Público

Ariovaldo Nonato Borges Júnior é apontado como o chefe do esquema — que era composto por 10 pessoas e 11 empresas — e, na época, atuava como coordenador do Núcleo de Gestão da Informação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Salvador.

Ele teria formado um núcleo com Regina dos Santos ConceiçãoVanina dos Santos ConceiçãoOliveira SaldanhaPriscila Luiza Oliveira de Souza e Vinicius Alves Mariano para facilitar as contratações fraudulentas, elaborar documentos e viabilizar pagamentos indevidos.

E-mails obtidos pelo CGU mostraram que o grupo trabalhava em conjunto na elaboração dos Termos de Referência, bem como outros documentos necessários à contratação do INTS, mesmo antes de serem formalmente contratadas pelo instituto.

  • Núcleo Dirigente do INTS

Este grupo seria composto pelos principais gestores da entidade. São eles: Ian dos Anjos Cunha (superintendente geral que movimentou R$ 39.869.967,11 no período investigado); Evertton Tavares Gomes Freitas (que movimentou R$ 41.473.967,63); Emanoel Marcelino Barros SousaGeraldo Andrade Filho (superintendente de Relações Institucionais); Allan Wailes de Holanda Cavalcanti (superintendente de Planejamento); e Fábio Finamori Macedo (diretor de Contratos)

Esses servidores seriam responsáveis pela gestão da entidade e coordenação geral do esquema.

  • Núcleo Operacional

O núcleo operacional era supostamente formado por Babara Wailes Sá DA Nova (irmã de Allan Wailes), Samantha Diniz Gonçalves Andrade (esposa de Geraldo Andrade) e Odenilson Alves Cristal (contador e sócio formal de uma empresa de Ariovaldo Júnior). Eles seriam responsáveis pela operacionalização da lavagem de dinheiro.

Com isso, eles organizavam saques em espécie, transferências bancárias e outras operações para dissimular a origem ilícita dos recursos acumulados pelo esquema.

  • Núcleo Empresarial

Era supostamente composto por mais de 10 empresas que serviam como intermediárias no fluxo financeiro, emitindo notas fiscais para justificar os pagamentos sem que houvesse efetiva prestação de serviços.

Conforme a Polícia Federal, que também investiga o esquema, os servidores são suspeitos de usar uma série de estratégias para dificultar o rastreamento dos valores. Além dos saques em espécies e as transferências bancárias, o grupo empregava as seguintes táticas:

  • transferências para a corretora de câmbio;
  • aplicações financeiras complexas;
  • pagamentos de despesas pessoais e corporativas;
  • constituição de empresas em setores variados;
  • conversão dos recursos desviados em patrimônio e bens de alto valor.

Como o esquema foi descoberto

A investigação realizada pelo CGU foi motivada por uma nota técnica do órgão, que identificou diversas irregularidades em um pregão eletrônico da Secretaria Municipal de Gestão (Semge). O documento apontava que o contrato “possivelmente” foi firmado para desviar valores ao INTS.

A Controladoria-Geral da União afirmou que a fraude licitatória investigada teve, possivelmente, o objetivo de limitar a competitividade de um concurso, o que beneficiou diretamente o Instituto Nacional de Tecnologia e Saúde, devido à:

  • inclusão, no edital de licitação, de exigências indevidas, como a necessidade de registros em conselhos profissionais sem relação com o objeto licitado;
  • a expedição de atestado de capacidade técnica ao INTS dois meses antes da publicação do edital.

As investigações apontaram ainda que o INTS subcontratou uma empresa para, supostamente, executar os serviços contratados pela Secretaria Municipal de Saúde, o que era proibido pelo edital.

Essa empresa seria peça fundamental para o esquema de lavagem de dinheiro e era controlada pelo INTS, que recebia valores milionários sem comprovação da prestação dos serviços contratados.

Como o chefe do esquema atuava

Ariovaldo Nonato Borges Júnior é apontado como chefe do esquema por que atuava como o gestor fiscal do contrato investigado. Ainda segundo a Polícia Federal, ele foi o responsável por viciar documento licitatórios, repassar informações privilegiadas, bem como orquestrar a contratação e os pagamentos ao INTS.

Ele chegou a movimentar mais de R$ 30 milhões em empresas registradas em seu nome ou de familiares — valor considerado incompatível com a remuneração pública

A justiça determinou o afastamento imediato dele do cargo e o sequestro de bens, como um imóvel de alto padrão na Avenida Tancredo Neves, em Salvador, onde funciona a sede de uma empresa ligada ao servidor.

A Prefeitura de Salvador informou que Ariovaldo é um funcionário concursado e ocupava o cargo de Técnico Administrativo, com lotação no Núcleo de Tecnologia da Informação da Secretaria Municipal da Saúde.

Ainda conforme o órgão de gestão municipal, o afastamento cautelar dele, conforme ordenado pela Justiça, foi formalizado em uma portaria publicada no Diário Oficial do Município, na quinta-feira (12).

Ordens judiciais cumpridos

Nesta quinta-feira (12), 25 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Salvador, Mata de São João (na região metropolitana), Itapetinga (no sudoeste do estado) e em Maceió (no estado de Alagoas).

A 2ª Vara Especializada Criminal da Seção Judiciária da Bahia também expediu ordens de bloqueio de R$ 100 milhões, além do bloqueio de imóveis e do afastamento temporário de ocupantes de cargos públicos.

Os investigados poderão responder pelos crimes de fraude à licitação, peculato, corrupção ativa e passiva, associação à organização criminosa e lavagem de ativos.

O que diz a Secretaria Municipal de Saúde

Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde de Salvador informou que está à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos adicionais, inclusive fornecendo todas as informações e documentos solicitados no âmbito da operação.

Além do afastamento de Ariovaldo, o órgão afirmou que o contrato firmado com o INTS já acabou e que uma nova licitação foi feita e outra empresa vencedora passou a gerir os serviços.

A pasta também reafirmou compromisso de respeito às instituições, com a ética e a legalidade na administração pública.

O que diz a INTS

Já o Instituto Nacional de Tecnologia e Saúde informou que também está à disposição das autoridades competentes para prestar todos os esclarecimentos necessários. Além disso, afirmou que o contrato investigado foi encerrado há quase seis anos.

Conforme a INTS, ao longo dos 15 anos de atuação no setor de saúde pública, “sempre pautou sua conduta pela ética, transparência, responsabilidade técnica e respeito à legislação vigente”. Também disse que nunca foi alvo de qualquer ação ou sanção legal que comprometesse a atuação institucional.

O instituto reafirmou a confiança na atuação das autoridades e reiterou compromisso com a verdade, a legalidade e a integridade dos processos.

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