Negros morrem mais: a face da violência que o Brasil insiste em ignorar

Creditos:  Tânia Rego/Agência Brasil

Apesar de representarem a maioria da população, os negros continuam sendo as principais vítimas da violência letal no país. Especialistas apontam racismo estrutural e políticas de segurança seletivas como causas centrais do genocídio silencioso.

Alenilton Malta Ribeiro
03 de junho de 2025

No Brasil, a cor da pele pode ser uma sentença de morte. O último Atlas da Violência, publicado pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela um dado alarmante: mais de 77% das vítimas de homicídios no país são negras (pretos e pardos), número que se mantém elevado há mais de uma década.

Em contrapartida, a violência letal contra brancos diminuiu consideravelmente no mesmo período. A desigualdade racial se aprofunda quando se cruza esse dado com indicadores de renda, escolaridade e território. Os corpos negros — especialmente os jovens, homens e periféricos — são os principais alvos de uma política de segurança pública que, muitas vezes, mata mais do que protege.

“Meu filho foi morto com três tiros. Nenhum policial foi punido”

Relatos como o de Dona Zuleide, mãe de Rafael*, 17 anos, assassinado durante uma operação policial na zona norte do Rio de Janeiro, se repetem em diversas regiões do país. Segundo ela, o filho voltava do treino de futebol quando foi confundido com um suspeito. “Disseram que ele estava armado. Mentira. Ele só carregava uma mochila com chuteiras”, lamenta.

Casos como o de Rafael não são exceção. De acordo com a Rede de Observatórios da Segurança, em média, uma pessoa negra é morta por ação policial a cada 4 horas no Brasil. Em estados como Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, os números são ainda mais alarmantes.

Uma violência que tem cor

Foto: JESUS CARLOS/via BBC

O Brasil é um país majoritariamente negro: 56% da população se declara preta ou parda (IBGE, 2022). No entanto, os negros representam:

77,9% dos mortos por homicídio (IPEA, 2023)

65% da população carcerária (DEPEN, 2023)

Apenas 27% das vagas em cargos de liderança no setor público e privado (IBGE, 2022)

Esses dados evidenciam um cenário de racismo estrutural, no qual a cor da pele influencia diretamente o acesso à vida, à justiça e à cidadania.

Políticas públicas e o desafio da equidade

Especialistas em segurança e direitos humanos apontam que as políticas públicas continuam tratando a violência como um problema apenas policial, ignorando seus determinantes sociais. A ausência de educação de qualidade, saneamento, moradia e emprego afeta de forma desproporcional a população negra.

“Não se pode discutir segurança pública sem discutir desigualdade racial”, afirma Ana Cláudia Silva, pesquisadora do Instituto de Estudos da Violência e Negra. “O Estado precisa parar de enxergar os jovens negros como inimigos internos e começar a vê-los como cidadãos de direitos.”

O que pode ser feito?

Organizações da sociedade civil e movimentos negros propõem uma série de medidas:

Redução das operações policiais letais em áreas pobres.

Monitoramento externo das ações das polícias.

Investimento em educação, cultura e emprego para juventudes negras.

Cumprimento rigoroso de leis contra discriminação racial.

Enquanto essas medidas não se tornam prioridade de Estado, o Brasil continuará enterrando sua juventude negra, enquanto alimenta um ciclo de violência, medo e exclusão.


*Nome fictício para preservar a identidade da vítima.

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