Governo argentino ordena retirar o sigilo dos documentos sobre a ditadura militar no país

 Foto: AFP

O governo da Argentina anunciou nesta segunda-feira, dia em que se completam 49 anos do golpe de Estado que instaurou a última ditadura militar do país (1976 a 1983), que vai retirar o sigilo e liberar para consulta pública os documentos de inteligência relacionados à atuação das Forças Armadas durante o regime autoritário. Além disso, declarou crime contra a Humanidade o ataque do Exército Revolucionário do Povo (ERP) contra a família do capitão Humberto Viola — o governo de Javier Milei defende uma memória do período que equipare os crimes da guerrilha aos de militares, visão rejeitada por entidades de direitos humanos.

Segundo o porta-voz presidencial, Manuel Adorni, a medida prevê a transferência integral desses arquivos da Secretaria de Inteligência do Estado para o Arquivo Geral da Nação, órgão responsável pela preservação e consulta de documentos históricos.

O anúncio foi feito no Dia Nacional da Memória, que lembra o início da última ditadura militar do país, período que deixou cerca de 30 mil mortos e desaparecidos, segundo organizações de direitos humanos. A decisão cumpre um decreto de 2010, assinado durante o governo de Cristina Kirchner, que, segundo Adorni, “embora tenha sido publicado há 15 anos, nunca foi totalmente cumprido”.

— O que aconteceu no passado deve estar nos arquivos da memória, não nos arquivos de inteligência — afirmou Adorni. — Os arquivos passarão agora a estar a serviço da memória e não da manipulação política.

Como ocorre todos os anos, organizações de direitos humanos farão uma marcha nesta segunda-feira até a Praça de Maio, com apoio de sindicatos e partidos de oposição, em homenagem ao Dia da Memória.

Visão pró-ditadura

Milei anteriormente minimizou as atrocidades cometidas durante a ditadura argentina, afirmando que o número de desaparecidos pelas mãos do Estado era superdimensionado. O governo é acusado de ter uma visão pró-regime militar ao equiparar os atos de violência estatal aos cometidos por organizações guerrilheiras de esquerda que agiam na Argentina — e propõe um revisionismo sobre esse aspecto.

No mesmo anúncio sobre a divulgação dos documentos, Adorni afirmou que o governo vai à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para reconhecer que houve crime contra a Humanidade no atentado realizado pelo ERP contra a família do capitão Viola.

— Nesse ataque atroz, ocorrido em 1º de dezembro de 1974, em Tucumán, um grupo de guerrilheiros interceptou o carro em que o capitão viajava com sua família: sua esposa, María Cristina Picón, grávida de cinco meses, e suas duas filhas, de 5 e 3 anos. Após um breve tiroteio, sua filha mais nova foi morta, e o capitão Viola, gravemente ferido, tentou correr para salvar a vida do resto de sua família e foi baleado pelas costas com um tiro na cabeça — relatou Adorni.

O porta-voz ainda lamentou que em 2022, após a viúva de Viola recorrer à comissão, a Secretaria de Direitos Humanos do governo de Alberto Fernández enviou uma resposta afirmando que o ataque “não constituiu um crime contra a Humanidade”. María Cristina Picón morreu em 2021, aos 73 anos, oito meses antes de as CIDH admitir a denúncia contra o Estado argentino. Sua filha María Fernanda, que sobreviveu ao atentado, continuou com a demanda judicial.

— Sob a Presidência de Milei, e após analisar os antecedentes do caso, decidiu-se dialogar com a família, revertendo assim a visão tendenciosa e ideológica dos governos anteriores sobre os trágicos eventos ocorridos na década de 1970 — disse o porta-voz do presidente . — Para Milei, o assassinato do capitão Viola e de sua família constituiu um crime contra a Humanidade. Neste 24 de março e em todos os dias, é necessário ter uma memória completa da História do nosso país e uma memória completa da história das nossas Forças Armadas.

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