Liminar autoriza crédito de ICMS sobre bandejas de isopor e etiquetas para supermercados

Crédito: Unsplash

A juíza Juliana Neves Capiotti, da 6ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, concedeu uma liminar autorizando o creditamento de ICMS sobre a aquisição de bobinas plásticas, filmes plásticos, etiquetas adesivas e bandejas de isopor. A medida é favorável ao supermercado Dellazeri.

A liminar suspende a exigência da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul (SEFAZ-RS), que havia negado o direito ao crédito, sob a justificativa de que esses itens não são insumos essenciais à comercialização de produtos e, portanto, não poderiam ser aproveitados na sistemática da não cumulatividade do ICMS. O deferimento da liminar da Dellazeri, caso mantida, abre espaço para que outras empresas do setor utilizem o precedente para solicitar o mesmo tratamento.

A medida foi concedida sob o entendimento de que os materiais em questão são indispensáveis para o acondicionamento, conservação e venda de produtos perecíveis, e que a restrição imposta pelo fisco estadual violaria o princípio da não cumulatividade do ICMS.

No entanto, ao incluir no creditamento bandejas de isopor, a decisão diverge parcialmente do entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já decidiu que filmes plásticos e sacos utilizados exclusivamente no acondicionamento de alimentos perecíveis geram direito ao crédito, mas bandejas de isopor não. O STJ não se manifestou especificamente em relação às etiquetas adesivas.

A Dellazeri Supermercado Ltda. ingressou com a ação sob o argumento de que os invólucros adquiridos para o acondicionamento de produtos perecíveis são essenciais para a comercialização, conservação e higiene dos alimentos, além de cumprirem exigências da vigilância sanitária. Na petição inicial, a empresa sustentou que a não utilização desses insumos tornaria inviável a comercialização de itens como frios, carnes e produtos de hortifruti vendidos de forma fracionada.

A empresa fez uma distinção entre os materiais utilizados diretamente no acondicionamento dos produtos vendidos e as sacolas plásticas fornecidas gratuitamente aos clientes no caixa do supermercado. Segundo a argumentação da Dellazeri, as sacolas plásticas personalizadas para transporte de compras não dão direito a crédito de ICMS, conforme já pacificado pelo STJ, mas os invólucros empregados na conservação dos alimentos deveriam ser reconhecidos como insumos essenciais. Em sua petição inicial, a companhia afirma que “tais materiais estão integrados e são incorporados durante o processo produtivo exposto”.

“Ao negar o direito ao crédito, a Administração Tributária impõe um ônus indevido ao contribuinte, que passa a arcar com um custo fiscal incompatível com a atividade exercida, elevando artificialmente o preço final dos produtos e reduzindo sua competitividade no mercado”, consta na petição inicial.

Liminar

A juíza Juliana Neves Capiotti, em sua decisão, afirmou que a “a tributação pelo ICMS exige a comprovação inequívoca da circulação jurídica da mercadoria, o que, no presente caso, não se verifica, pois os invólucros integram o próprio processo produtivo e não são comercializados separadamente”.  A magistrada também fundamentou o deferimento da liminar no risco de dano financeiro irreparável que a exigência da SEFAZ-RS poderia causar ao supermercado, ao impedir o creditamento do imposto.

Segundo a decisão, “a cobrança imediata do ICMS sobre tais insumos acarretaria impacto financeiro significativo à requerente, colocando-a em situação de desigualdade competitiva frente a concorrentes que não sofrem a mesma exigência fiscal. O risco de dano irreparável justifica a concessão da tutela antecipada”.

“O Judiciário, nas instâncias inferiores, tem se tornado mais condizente com a primazia da realidade. Trabalhamos para que [o entendimento] seja confirmado nos tribunais superiores”, diz Fabiana Tentardini, da Tentardini Advogados Associados, que representa o supermercado na ação. “Magistrados estão crescentemente mais ligados no que realmente acontece, na atividade empresária, para que apliquem a norma de acordo com a realidade dos fatos. Isso traz mais segurança para as empresas”, complementa.

Procurada, a SEFAZ-RS não retornou à reportagem. O espaço segue aberto. Leia a íntegra da liminar. O processo tramita sob o número 5018689-71.2025.8.21.0001.

O que o STJ já decidiu

Apesar de reconhecer a essencialidade de algumas das embalagens utilizadas pelo supermercado, a decisão liminar diverge parcialmente do entendimento consolidado pelo STJ.

No REsp 1.221.170/PR, que analisou o conceito de insumo para fins de creditamento de ICMS, o STJ fixou que apenas os insumos essenciais ao processo produtivo geram direito a créditos tributários, afastando a tese de que qualquer bem utilizado na fabricação do produto poderia ser desonerado do imposto.

Já no julgamento do Recurso Especial 1.830.894/RS, em 2020, o STJ estabeleceu uma distinção entre diferentes tipos de embalagens utilizadas por supermercados e sua relevância para o creditamento do ICMS.

No acórdão, o tribunal afirmou que “as sacolas plásticas são colocadas à disposição dos clientes, para acomodar e facilitar o carregamento dos produtos; os sacos e filmes plásticos, transparentes e de leve espessura, envolvem os produtos perecíveis (como carnes, bolo, torta, queijos, presuntos) e revestem e protegem o alimento; as bandejas acomodam o produto a ser comercializado”.

A decisão do STJ também reforçou que “as sacolas plásticas, postas à disposição dos clientes para o transporte dos produtos, não são insumos essenciais à comercialização de produtos pelos supermercados”, e que “as bandejas não são indispensáveis ao isolamento do produto perecível, mas mera comodidade entregue ao consumidor, não se constituindo em insumo essencial à atividade da recorrida”.

Assim, o tribunal reconheceu expressamente que “filmes e sacos plásticos, utilizados exclusivamente com o propósito de comercialização de produtos de natureza perecível, são insumos essenciais à atividade desenvolvida pelo supermercado, cuja aquisição autoriza o creditamento do ICMS” – e o mesmo não vale para bandejas, que foram incluídas na liminar no RS.

“O plástico filme ser considerado insumo e a bandeja, que vai juntamente com ele, ser considerada mera comodidade ao consumidor, mostra que, por vezes, o Judiciário não compreende o que de fato está embutido na mercadoria”, afirma Tentardini.

Outros estados

Outros órgãos estaduais já se manifestaram sobre o crédito de ICMS envolvendo etiquetas. Em setembro de 2020, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, por meio da Resposta à Consulta 22096, afirmou que o imposto pago na aquisição de insumos, incluindo “etiquetas e demais materiais de embalagem”, consumidos em operações sujeitas ao ICMS, pode gerar direito a crédito. Essa orientação indica que, apesar de não haver manifestações judiciais sobre o tema, no entendimento do administrativo paulista, materiais relacionados ao acondicionamento de produtos podem gerar direito ao creditamento de ICMS, a depender da situação.

Segundo a resposta à consulta, o setor de padaria e confeitaria de um supermercado é reconhecido como uma área de transformação de insumos em produtos acabados, já que ali ocorre a fabricação de pães e doces. Por essa razão, é permitido o creditamento do ICMS sobre insumos utilizados exclusivamente na produção desses itens, como as etiquetas aplicadas nos produtos fabricados no local.

Já no caso do açougue e do setor de frios, segundo a Secretaria do Estado de São Paulo, o direito ao crédito depende do tipo de embalagem utilizada. Se a embalagem for meramente funcional, como bandejas plásticas cobertas com filme PVC e etiquetadas com peso e preço, o crédito não pode ser admitido, pois não há transformação do produto. No entanto, se a embalagem conferir um diferencial ao item comercializado, seja pelo material, acabamento ou funcionalidade adicional, o aproveitamento do ICMS pode ser permitido.

No setor de hortifruti, assim como no restante do supermercado, os produtos são apenas acondicionados para venda, sem qualquer processo de industrialização. Como as mercadorias são adquiridas prontas para revenda e as embalagens servem apenas para agrupamento ou proteção, não há direito ao crédito do imposto pago nas aquisições, defende a resposta à consulta.

Debate

A decisão do TJRS no caso da Dellazeri faz parte de um longo debate sobre a tributação de insumos produtivos. O principal questionamento das empresas que ingressam com ações judiciais é se determinados bens adquiridos no processo produtivo devem ser considerados mercadorias passíveis de tributação pelo ICMS ou se são meros insumos que não configuram circulação jurídica independente.

O cerne da controvérsia está na definição do conceito de circulação de mercadorias para fins de incidência do ICMS. A Constituição determina que esse imposto recaia sobre a circulação de mercadorias, ou seja, sobre bens que mudam de titularidade em operações comerciais.

Entretanto, o entendimento dos fiscos estaduais e do próprio STJ é de que insumos utilizados na industrialização de produtos, quando incorporados ao bem final ou repassados ao consumidor, fazem parte da operação mercantil e devem ser tributados.

Empresas frequentemente contestam essa interpretação, argumentando que o fisco aplica o conceito de forma restritiva, gerando bitributação e aumentando os custos da produção. No caso específico das embalagens, algumas empresas alegam que, se elas não são vendidas separadamente, mas apenas incorporadas ao produto final, não deveria haver tributação — o argumento da Dellazeri no processo.

No caso específico das embalagens, companhias do setor alimentício, químico e farmacêutico têm ajuizado ações argumentando que, se a embalagem não é vendida separadamente, mas apenas incorporada ao produto final, a exigência do imposto é indevida. Em processos como REsp 1.125.133/SP, indústrias tentaram afastar a incidência do ICMS sobre embalagens de transporte interno, usadas exclusivamente no deslocamento de produtos dentro das unidades produtivas. O STJ, no entanto, manteve a tributação.

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