Os 20 anos da Lei das PPPs

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Em 2024, a Lei 11.079/2004, conhecida como Lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs), completa duas décadas. Promulgada em um contexto de limitações fiscais e desafios de infraestrutura, a norma viabilizou colaborações estruturadas entre o setor público e privado.

Sobre isso, este artigo busca explorar brevemente os fundamentos históricos e regulatórios das PPPs, bem como os impactos econômicos, sociais e as inovações legislativas que transformaram o panorama das contratações públicas no Brasil, além dos inúmeros desafios persistentes.

Fundamentos

A criação das PPPs foi motivada por um contexto de severas limitações fiscais, destacadamente impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), que restringiu a capacidade de endividamento do estado.

Em paralelo, o país enfrentava um déficit histórico em infraestrutura, que comprometia o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida da população. Inspirada nos modelos do Reino Unido e da Europa continental, a Lei 11.079/2004 trouxe algumas diretrizes. Dentre elas:

  • Repartição objetiva de riscos: atribuição de riscos às partes mais capacitadas para geri-los, promovendo maior equilíbrio econômico-financeiro e previsibilidade contratual;
  • Consulta pública e transparência: exigência de audiências públicas como condição para o avanço de projetos, assegurando legitimidade e adesão social; e
  • Garantias contratuais diferenciadas: inclusão de instrumentos como fundos garantidores, reforçando a segurança jurídica para investidores.

Os contratos de PPP foram estruturados em dois modelos principais:

  • Concessão patrocinada: os custos são compartilhados entre usuários, por meio de tarifas, e o poder público, através de contraprestações diretas.
  • Concessão administrativa: o poder público é o único responsável pela remuneração do parceiro privado, geralmente em setores como saúde e educação.

Exemplos de projetos emblemáticos incluem a linha 4-amarela do Metrô de São Paulo, que marcou um dos primeiros grandes projetos de concessão patrocinada no país, e a Parceria Público-Privada do Hospital do Subúrbio, na Bahia, que foi reconhecida internacionalmente pela sua eficiência na prestação de serviços de saúde.

Impactos

As PPPs se transformaram em ferramenta indispensável para superar gargalos históricos na infraestrutura brasileira. Desde sua promulgação, diversos projetos estratégicos foram viabilizados, gerando impactos substanciais:

  • Redução do déficit de infraestrutura: a implementação de obras como rodovias, sistemas de saneamento básico e hospitais demonstrou o potencial das PPPs em atender demandas reprimidas.
    • O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), lançado em 2016, incluiu mais de 200 projetos de PPPs e concessões, com investimentos estimados em R$ 700 bilhões.
    • Um caso de destaque é a concessão do Aeroporto de Salvador, que aumentou significativamente a capacidade e a qualidade dos serviços, atraindo investimentos de operadores internacionais.
  • Atração de capital privado: a legislação conseguiu atrair investidores internacionais, alavancando recursos em um ambiente marcado por restrições orçamentárias severas.
    • A concessão da BR-163, ligando Mato Grosso ao Pará, demonstrou como parcerias bem estruturadas podem viabilizar projetos de logística essenciais para a economia agroexportadora.
  • Fomento ao desenvolvimento regional: projetos priorizaram regiões menos desenvolvidas, promovendo inclusão econômica e social.
    • Exemplos incluem os sistemas de saneamento em Alagoas e Acre, que estão em processo de universalização graças à modelagem de PPPs.

Adicionalmente, estudos comprovam que cada R$ 1 investido em infraestrutura por meio de PPPs gera um retorno expressivo em termos de produtividade e crescimento econômico, ressaltando sua relevância como política pública estratégica.

Inovações

Ao longo das últimas duas décadas, o marco regulatório das PPPs foi aprimorado por inovações que fortaleceram a segurança jurídica e ampliaram o alcance dos projetos. Destaque-se:

  • Lei 14.133/2021: a nova Lei de Licitações introduziu maior flexibilidade nos procedimentos licitatórios, harmonizando-se com as diretrizes da Lei de PPPs. Essa mudança reduziu gargalos administrativos e promoveu maior transparência nos processos licitatórios.
  • Arbitragem e solução de conflitos: a possibilidade de utilizar métodos alternativos, como Dispute Boards, reduziu o tempo e os custos associados à judicialização de controvérsias. A BR-040, que liga Brasília ao Rio de Janeiro, foi um exemplo em que o uso de mecanismos de arbitragem acelerou a solução de um impasse contratual, evitando maiores prejuízos financeiros.
  • Critérios ESG: projetos passaram a incorporar práticas ambientais, sociais e de governança, especialmente em setores críticos como saneamento básico e energia limpa. No setor de saneamento, a PPP da Região Metropolitana de Maceió tem se destacado por integrar objetivos de universalização de serviços e sustentabilidade ambiental.

A introdução do modelo project finance também foi fundamental para alinhar interesses públicos e privados, permitindo a alavancagem de recursos com base nos fluxos de caixa projetados dos contratos.

Desafios

Apesar dos avanços, as PPPs enfrentam desafios estruturais e críticas recorrentes:

  • Segurança jurídica: divergências interpretativas sobre cláusulas contratuais e a alocação de riscos ainda geram insegurança entre investidores, comprometendo a atratividade dos projetos. Casos como a suspensão do contrato de concessão da Linha 6 do metrô de São Paulo ilustram a vulnerabilidade dos projetos a fatores políticos e econômicos adversos.
  • Capacitação técnica: muitos gestores públicos carecem de formação adequada para planejar, negociar e fiscalizar contratos complexos, impactando a execução dos projetos. A falta de padronização nos contratos de PPP é frequentemente citada como uma barreira para sua disseminação em municípios de pequeno porte.
  • Resistência cultural e institucional: a implementação de PPPs enfrenta barreiras burocráticas e políticas que atrasam ou inviabilizam projetos promissores. Por outro lado, questões sociais e ambientais ainda precisam ser mais amplamente incorporadas nos projetos, garantindo que os benefícios sejam distribuídos de forma equitativa.

As duas décadas da Lei 11.079/2004 evidenciam seu papel de transformação no campo das contratações públicas no Brasil. Sua implementação trouxe avanços significativos na superação (parcial) de gargalos históricos e na modernização da infraestrutura do país.

Contudo, o potencial das Parcerias Público-Privadas requer avanços. Projetos emblemáticos mostram que as PPPs podem ser ferramentas efetivas para promover desenvolvimento econômico, inclusão social e sustentabilidade ambiental.

O futuro das PPPs exige esforços coordenados para mitigar os desafios identificados. Aperfeiçoar a segurança jurídica, padronizar contratos e fortalecer a capacitação de gestores são ações essenciais para consolidar esse modelo como pilar do crescimento nacional.

À medida que o Brasil avança na integração de práticas internacionais e no uso de critérios ESG, as PPPs têm a oportunidade de se reafirmar como uma estratégia não apenas eficiente, mas indispensável para atender às demandas de uma sociedade cada vez mais exigente.

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