Há cada vez mais demonstrações de que o mundo – isto é, governos, parlamentos, setor privado e a sociedade civil – finalmente está começando a reconhecer a gravidade da crise climática, diante das repetidas ocorrências de eventos extremos, além dos alertas das organizações internacionais que, há tempos, vêm apontando os riscos para o meio ambiente do aumento da temperatura no planeta.
O aquecimento da superfície da Terra e dos oceanos, ou transição climática, é resultado do aumento das emissões de gases de efeito estufa, como os gases carbônico (CO₂) e metano, que formam uma camada de isolamento em volta do planeta, retendo o calor do sol na atmosfera e elevando gradualmente a temperatura na Terra. Os gases são gerados, principalmente, por desmatamentos e queimadas de florestas, pela produção e uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), por processos industriais e pela produção agropecuária.
Os maiores emissores são China, Estados Unidos, Índia, União Europeia, Rússia e Brasil. A China responde por 30% do total gerado e Estados Unidos por 11% (European Commission).
As metas mais desafiadoras da mudança climática, causada pelas atividades humanas, são conter a elevação da temperatura do planeta no limite de 1,5% em relação aos níveis pré-industriais, como foi ajustado no Acordo de Paris, em 2015, e zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2050.
Um dos passos para alcançar esses objetivos foi dado na Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 28), em Dubai, em 2023, quando cerca de 200 países concordaram em triplicar a capacidade de geração de energias renováveis até 2030, e caminhar na direção da redução do consumo de combustíveis fósseis. Na COP 29, sendo concluída este mês em Baku, no Azerbaijão, a principal agenda é garantir que os países ricos se comprometam em transferir aos países em desenvolvimento ajuda financeira para que possam se ajustar às mudanças climáticas. Na COP 30, a ser realizada em Belém do Pará, em novembro de 2025, os países deverão apresentar metas mais ambiciosas de redução das emissões de gases de efeito estufa.
Como resultado do maior comprometimento com o enfrentamento da emergência climática, foram observadas nos últimos anos algumas ações positivas para a mitigação da crise ambiental.
Os investimentos globais em transição energética alcançaram o recorde de US$ 1,77 trilhão em 2023, especialmente em eletrificação de veículos e em energias renováveis, mas foram concentrados em 85% nos Estados Unidos, Europa, outros países desenvolvidos e na China. Os países da América Latina, Oriente Médio, África, Sudoeste da Ásia e Rússia e Índia investiram os demais 15% (Bloomberg, jan. 2024). O montante representou valor 80% acima dos investimentos mundiais em combustíveis fósseis, que alcançou pouco mais de US$ 1 trilhão em 2023. A Internacional Energy Agency (IEA, 2024) estima que, em 2030, as vendas de carros elétricos deverão alcançar 50% do total. A partir de 2035, os carros vendidos na União Europeia não poderão emitir gás carbônico, ou seja, não poderão ser movidos a combustíveis fósseis. Além do carro elétrico, diversos países, inclusive o Brasil, estão investindo em pesquisas avançadas na redução dos custos de produção do hidrogênio de baixo carbono, para utilização como energia em células de combustível em veículos leves e pesados, e usos na descarbonização de setores industriais.
Outros avanços mostram que, nos últimos cinco anos, a capacidade de geração de energia solar no mundo quadruplicou, a produção dos biocombustíveis etanol e biodiesel está em elevação e países desenvolvidos estão fechando usinas a carvão. Porém, a China e a Índia continuam a implantar usinas com essa fonte fóssil.
Estando, portanto, a geração de energias limpas em crescimento, pergunta-se: até 2050, ano em que se espera que as emissões de gases de efeito estufa sejam neutralizadas, o petróleo poderá ser completamente substituído por energias renováveis? (Observe-se que neste texto não estão sendo analisadas as demais fontes citadas de elevação de gases de efeito estufa, que exigem outro tipo de avaliação. Também não é analisada a situação específica do Brasil, cuja participação das energias renováveis é superior à do resto do mundo).
A questão pode ser respondida com o apoio de exercício recente da IEA, que projetou a demanda total de combustíveis líquidos para 2035 e 2050 em. três cenários, segundo o grau de comprometimento dos países com metas climáticas e energéticas. Este artigo elegeu o terceiro cenário, em que os países aprofundam suas atuais metas em energia e clima, em compasso com os objetivos perseguidos pelo Acordo de Paris de 2015 e pelas Conferências do Clima das Nações Unidas: alcançar emissões zero de gases de efeito estufa em 2050 e conter o aumento da temperatura global em 1,5%. Nas projeções da demanda de combustíveis para aqueles anos, além do petróleo foram considerados os biocombustíveis líquidos (são exemplos o etanol e biodiesel) e os combustíveis à base de hidrogênio de baixo carbono.
Nas estimativas, o consumo mundial de derivados de petróleo cai de 100 milhões de barris/dia, em 2023, para 58 milhões de barris/dia em 2035, isto é, queda de 42%, graças aos veículos elétricos, à expansão dos investimentos na geração de eletricidade com base em energias renováveis (solar, eólica, hidráulica) e em usinas nucleares. Os biocombustíveis e o hidrogênio forneceriam 8,8 milhões de barris/dia, ou 13% da demanda total de 67 milhões de barris/dia de combustíveis; os demais 87% continuariam a ser fornecidos por derivados de petróleo.
Quinze anos depois, em 2050, com a continuada eletrificação dos transportes e de investimentos em energias renováveis, a demanda por derivados de petróleo seria reduzida em 77% em relação a 2023, chegando a 23 milhões de barris/dia, ou 67% do total previsto de consumo total de combustíveis (34,5 milhões de barris/dia). Os biocombustíveis e o hidrogênio forneceriam 33% do consumo total.
Assim, observa-se que, mesmo com o aprofundamento pelos países de suas atuais metas climáticas e energéticas, os resultados das projeções mostram uma transição energética muito longa, tendo em conta a gravidade da situação climática atual. Os derivados de petróleo continuariam a fornecer energia até 2050, e também após esse ano, especialmente para os países em desenvolvimento e a China, pois as regiões desenvolvidas já estão reduzindo seu consumo de petróleo. O petróleo continuaria a ser utilizado principalmente na produção de petroquímicos e em processos industriais, e ainda em transportes rodoviários, marítimos e aéreos e na geração de energia elétrica.
Portanto, as continuadas emissões de gases de efeito estufa nos próximos 25 anos com a queima de derivados de petróleo, e sua acumulação na atmosfera, mostram a importância de ações mais fortes dos países na produção de renováveis, e a transferência de recursos financeiros e tecnológicos, em condições favoráveis, dos países ricos aos países em desenvolvimento.
Deve ser lembrado que o uso comercial do petróleo como fonte de energia começou há mais de 160 anos, quando a descoberta do primeiro poço de petróleo dos Estados Unidos, na Pensilvânia, em 1859, iniciou a indústria mundial do petróleo.
Em direção contrária, que limita a troca mais rápida do petróleo, a esperada elevação da produção de petróleo na Guiana, Brasil, Canadá e, como efeito da eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, indica provável excesso de oferta, com redução ou estabilização nos preços – exceto em momentos de crises geopolíticas – que incentiva o consumo de derivados.
A gravidade da situação climática levou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, out.2024) a avaliar que se as emissões de gases de efeito estufa não forem reduzidas em 42% até 2030 e em 57% até 2035, o mundo entrará em trajetória de aumento de temperatura de até 3,1°C neste século. Sob esse nível, os especialistas preveem a intensificação dos eventos climáticos catastróficos no planeta.