Em Pequim, Dilma recebe mais alta honraria e defende parceria com a China

Foto: ADEK BERRY / AFP

A ex-presidente Dilma Rousseff recebeu neste domingo a Medalha da Amizade, mais alta honraria concedida a cidadãos estrangeiros pelo governo da China. A medalha foi entregue em Pequim pelo presidente Xi Jinping, em cerimônia com toda a pompa e circunstância realizada no Grande Salão do Povo, tradicional cenário dos principais eventos políticos do país. O povo chinês não esquece os amigos estrangeiros que ajudam a construir o país, disse Xi, que completou: “Dilma Rousseff é um excelente exemplo disso”.

A ex-presidente foi a única estrangeira homenageada no evento, que condecorou outras 14 personalidades de diferentes áreas de atuação, todas chinesas. Em seu discurso, Dilma agradeceu o que chamou de “honra extraordinária”, e afirmou que a medalha “é a prova dos fortes laços de amizade e de cooperação entre nossos povos e países”. De fato, a condecoração parece diretamente ligada ao bom momento nas relações bilaterais.

Os dois países celebram em 2024 o cinquentenário de estabelecimento de laços diplomáticos; em novembro o presidente Xi fará uma visita de Estado ao Brasil; e há uma inegável afinidade geopolítica entre os lados, que se estendeu a uma proposta conjunta para a guerra na Ucrânia, apresentada em maio. Nesse clima de lua-de-mel, cresceu a expectativa em Pequim de que o Brasil anuncie sua adesão à Iniciativa Cinturão e Rota, o megaprojeto chinês de infraestrutura também conhecido como “Nova Rota da Seda”.

Desde o ano passado presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD, o “banco dos Brics”), com sede em Xangai, Dilma defendeu o projeto chinês em seu discurso, “uma ousada iniciativa de criar novos caminhos para a cooperação global com benefícios mútuos”, segundo ela. Mais tarde, em conversa com jornalistas brasileiros, ela ampliou a explicação sobre o que vê como vantagens de aderir à iniciativa, algo que o Brasil está mais perto do que nunca de fazer.

— É um bom programa de cooperação internacional. Primeiro porque ele é o único existente. Não há outro com um escopo tão amplo, nem tampouco que tenha gastado US$ 1 trilhão ao longo de dez anos. Mas agora há uma coisa importante para o Brasil e para os países do Sul Global. A proposta de fazer uma parceria em industrialização. Parques industriais e também transferência de tecnologia. Acho que essa é a grande oportunidade e a proposta fundamental para o Brasil — disse Dilma. — O segundo aspecto é que o projeto não exige exclusividade, você pode fazer tantas outras parcerias quanto pretender.

Outro ponto destacado pela ex-presidente: pela primeira vez um país “com alguma proeminência internacional” propõe um desenvolvimento comum. Manter-se como grande exportador de commodities é fundamental e o Brasil não pode abrir mão de continuar a ser o maior fornecedor de produtos agrícolas e de proteínas para a China, diz ela. Mas o que não podemos é aceitar uma divisão do trabalho internacional na qual nós produzimos commodities e eles — ou quem quer que seja — produzam manufaturados — rebate a ex-presidente.

— Essa divisão de trabalho é antiga, ultrapassada, e não nos interessa — afirma. — Como alcançar os países desenvolvidos? Temos que procurar uma parceria que transfira tecnologia e precisamos investir muito em educação. Eu acredito que o Brasil fará uma parceria estratégica com a China de alta qualidade.

O mandato de Dilma como presidente do NBD vai até o início de julho de 2025. Por ora, ela diz ser difícil prever o que fará depois de deixar o banco. Mas adianta que pretende voltar ao Brasil e que quer usar o que aprendeu em sua temporada vivendo na China. No discurso que fez ao receber o prêmio, Dilma reafirmou o compromisso de “intensificar a cooperação entre China e Brasil, baseada em benefícios mútuos”.

Para ela, o Brasil deve estar aberto a aprender com todos os países, mas a China oferece mais possibilidades, tanto em transferência de tecnologia como em modelos de governança. Sobre as práticas que contribuíram para o desenvolvimento do país, Dilma destacou as que lhe chamaram mais a atenção nas “características chinesas”. Uma delas é a flexibilidade de tentar “e aprender tentando”. Há muitos projetos-piloto, os chineses testam ideias partindo do pressuposto de que algumas darão errado, diz ela.

Dilma era presidente do Brasil quando foi lançado em 2014, durante a Cúpula dos Brics em Fortaleza, o NBD, o banco que hoje chefia. Ela não esconde o orgulho por ter contribuído para o processo de institucionalização do grupo de emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. No próximo mês, na cidade russa de Kazan, acontecerá a primeira reunião de cúpula do Brics ampliado, com a adesão de cinco novos membros: Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã.

Uma das grandes expectativas é em relação à criação de um sistema de pagamentos do Brics, para reduzir a dependência do dólar americano em suas transações. Na cúpula do Brics da África do Sul, em 2023, o presidente Lula anunciou que o grupo iria estudar a criação de uma moeda para facilitar as trocas comerciais entre os integrantes do bloco. Segundo Dilma, a ideia não é a desdolarização, mas o uso de diferentes moedas.

— Assim você amplia sua cesta de moedas. O que acontece hoje é a multiplicação de plataformas em moedas locais — explica. — A discussão é sobre formas de pagamento e também sobre o uso de moedas locais. Em Johannesburgo definiram que iriam fazer um processo de investigação e de análise para construir um projeto. Mas não ficou claro se seria uma moeda do Brics ou a moeda de cada um dos países. O que disseram é que é fundamental ter um sistema de pagamentos.

Para a então jovem guerrilheira de esquerda que lutou contra a ditadura militar nos anos 1960, foi um momento especial ser homenageada pela cúpula do Partido Comunista da China neste domingo, recebendo a mais alta condecoração do Estado. Para ela, o anticomunismo que ainda atrai votos no Brasil, como ocorre com Pablo Marçal na disputa pela prefeitura de São Paulo, é algo que deveria ser considerado ultrapassado, e visto como um artifício que está a serviço “de outros interesses”.

— Ninguém pode viver baseado na visão da Guerra Fria. Respeito o Partido Comunista da China. Mas não acho que por conta disso o Brasil tem que ser comunista. A China tem uma coisa muito interessante: a China diz que tem um caminho especificamente chinês. O Brasil tem que ter um caminho propriamente brasileiro. Agora, esse caminho não é o do anticomunismo, da visão da Guerra Fria. Eu respeito o que eles construíram aqui, e devem se orgulhar do país que construíram nos últimos 75 anos — afirma. — Todo mundo que prega essa mentalidade da Guerra Fria, o anticomunismo antigo, tem outros interesses. Não acredito que andando numa rua de Xangai alguém vá achar que comunista come criancinha.

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