O Brasil lidera os rankings mundiais quando se trata de complexidade e elevada carga tributária. Ao mesmo tempo, destaca-se negativamente quando se fala em desigualdade, precariedade de infraestrutura e efetividade no funcionalismo público, o que demonstra a dicotomia social enfrentada no país, onde há grandes entraves à efetivação dos direitos preconizados pela Constituição vigente, a despeito da mencionada tributação elevada.
Não se pretende aqui apontar a ineficiência da gestão pública, mas ressaltar que a alta carga tributária e o consequente incremento da arrecadação dos cofres públicos não garantem uma prestação efetiva e adequada de serviços públicos, principalmente nas regiões mais distantes dos grandes centros.
Como é de conhecimento geral, recorrentemente são veiculadas notícias sobre tentativas do Estado, principalmente do Poder Executivo, de aumentar ou implementar novas tributações, as quais, muitas vezes, são invalidadas posteriormente pelo Poder Judiciário, devido à inobservância da técnica tributária, legislativa e até mesmo por atropelar a Constituição Federal.
Contudo, em alguns momentos, o Estado supera as questões legais e jurídicas, aumentando a carga tributária e até mesmo influenciando decisões judiciais sob perspectivas políticas, o que traz ao contribuinte uma severa incerteza econômica e financeira.
Neste contexto, vale destacar que, no último ano, os contribuintes têm sido vencidos pelo fisco na maioria das discussões tributárias judiciais e o curioso desse dado é que, em muitos casos, as decisões desfavoráveis não se amparam em argumentos jurídicos, mas sim em questões políticas e de interesse social que, embora devam suplantar os interesses privados, muitas vezes atropelam o direito material.
A modulação de efeitos instituída pela Lei 9.868/99 é uma ferramenta que tem sido amplamente utilizada nos tribunais, especialmente nas soluções de controvérsias tributárias que envolvem grandes valores e afetam significativamente os cofres públicos.
Para democratizar o presente artigo que visa atingir não apenas advogados, é importante destacar que o instituto da modulação de efeitos é utilizado pelos tribunais superiores (STF e STJ), para definir em qual lapso temporal as suas decisões terão efeitos, evitando assim insegurança jurídica e impactos econômicos e sociais adversos. Esse mecanismo é fundamental em casos em que ocorre a declaração de inconstitucionalidade ou mudanças na interpretação de normas, assegurando a proteção da confiança das partes envolvidas e promovendo um equilíbrio entre justiça e estabilidade jurídica.
Apesar de ter sido criada para ser utilizada em prol do interesse social e da segurança jurídica, a verdade é que os tribunais superiores frequentemente a aplicam para limitar o impacto na arrecadação pública.
Entretanto, ao limitar o impacto aos cofres públicos, a modulação de efeitos impõe aos contribuintes uma tributação, no tempo, que não encontra amparo na legislação pátria, quer seja limitando a aplicação da decisão àqueles que acionaram o Judiciário, quer seja permitindo a cobrança do passado, chancelando recolhimentos indevidos e/ou a maior de tributos.
Pode ser este o deslinde do próximo grande julgamento previsto para o dia 28 de agosto. Os contribuintes aguardam, com grande expectativa, o julgamento do Tema 118 (RE 592.616/RS) do STF, no qual será firmado entendimento acerca da controvérsia envolvendo o ISS na base de cálculo do PIS/Cofins. Atualmente, o julgamento encontra-se empatado, com quatro votos a favor do fisco e quatro votos a favor dos contribuintes.
Após o cancelamento do pedido de destaque do ministro Luiz Fux, o julgamento prosseguirá cabendo aos ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes e André Mendonça a definição sobre o tema. De acordo com o histórico de posicionamento dos ministros, acredita-se que o voto do ministro André Mendonça será crucial para a definição desse tema.
Vale mencionar que essa tese é derivada da já conhecida “tese do século“, relacionada à inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, na qual os contribuintes obtiveram êxito junto ao Supremo Tribunal Federal que, ao julgar o tema, confirmou que o ICMS não pode compor a base de cálculo das contribuições ao PIS e a Cofins por ser meramente transitório e não caracterizar receita das empresas.
Apesar do entendimento consolidado sobre o tema e de a discussão ser bastante semelhante – alterando-se apenas o tributo que compõe a base de cálculo, que, nesse caso, é o municipal – o cenário ainda carece de certeza. Isso se deve não apenas à complexidade e à possibilidade de diferentes interpretações do tema, mas principalmente em razão do impacto significativo que a decisão poderá ter sobre as finanças públicas.
De fato, aplicando-se ao caso o entendimento do STF, de que tributo não pode compor a base de cálculo de outro tributo, o cenário poderia parecer favorável aos contribuintes, não fosse a preocupação com os reflexos nos cofres públicos.
Enquanto contribuintes, resta-nos agora aguardar que a interpretação do STF sobre o Tema 118 siga o racional jurídico-tributário alinhado às decisões anteriores, preservando-se a jurisprudência formada ao longo dos últimos anos, que é majoritariamente favorável aos contribuintes, tanto nas esferas inferiores quanto nos tribunais superiores, em prol da segurança jurídica.