Ana Flávia de Souza ganhou uma festa surpresa no abrigo na Zona Leste de São Paulo, onde morava há 1 ano e meio (veja no vídeo acima). Ana completou 18 anos e, pela lei, o adolescente que não é adotado precisa deixar o abrigo quando atinge a maioridade.
“A cabeça está a milhão, porque quando eu sair daqui vai ser eu e eu, né? Agora é focar nos estudos mesmo. Tipo, trabalhar, fazer faculdade, só que ainda não o que eu quero ser. Eu queria ser perita criminal, mas não sei se é isso mesmo”, diz Ana Flávia.
A jovem vive em abrigos desde os 13 anos.
“Nossa, acho que vou sentir saudades de tudo. Aqui foi onde mudou minha vida e em questão física, psicológica”, relata a jovem.
“Ela chegou fechada e não queria nem ficar aqui. Aí eu falei para ela dar uma oportunidade para a gente mostrar que ela era bem-vinda e que a gente gostaria de ficar com ela”, conta a coordenadora do abrigo, Uilma Rodrigues.
Ana Flávia trabalha em uma hamburgueria, mas ainda não tem condições de se bancar sozinha. Por isso, ela precisou se mudar para uma república criada para jovens que vêm de abrigos. Lá, ela só pode ficar até completar 21 anos de idade.
Uma resolução do Conselho Nacional de Assistência Social prevê que estados e municípios devem oferecer repúblicas para jovens que vierem de serviço de acolhimento, mas poucas cidades do Brasil conseguem atender essa demanda. Em São Paulo, existem 18 repúblicas para jovens entre 18 e 21 anos.
Na república em que vai morar, Ana Flávia não vai ter que se preocupar com o gasto de alimentação, mas itens de higiene pessoal e as roupas de cama e banho ficam por conta dela.
“No abrigo, a gente tem quase tudo na mão. Tudo as tias fazem por nós. Se a gente não lembra de consulta, a tia lembra. Elas fazem tudo por nós. Agora, é caminho que segue”, diz Ana.
No centro da capital paulista, o Profissão Repórter conheceu outros jovens que moram em repúblicas ou que provavelmente vão se mudar para elas quando saírem dos abrigos.
Kaique Júlio Gonçalves completa 18 anos em setembro e vai ter que sair do abrigo onde mora.
“Então muito provavelmente eu vou para uma república, né? O que aqui em São Paulo para nós é que é meio que garantido. Você tem um tempo para poder respirar, né? Então, para poder se acostumar um pouco com a vida adulta.”.
Kaique morou em uma favela até os 7 anos de idade. Quando tinha 8 anos, a família biológica dele perdeu sua guarda e ele foi para um abrigo. Houve duas tentativas de adoção, ambas fracassadas.
“Depois das minhas duas tentativas, eu percebi que não queria. Talvez toda essa ideia da família que às vezes quer adotar alguém que passou por ‘n’ coisas, mas não quer as ‘n’ coisas da pessoa com ela”.
Kaique conseguiu uma bolsa de estudos num colégio particular de elite em São Paulo. Ele segue em contato com a família biológica, mas planeja uma vida adulta independente.
“Eu não me vejo voltando para minha família mesmo. Acho que talvez pela diferença que foi se criando entre a gente. E eu também quero, após sair do acolhimento, ter o meu próprio espaço, no máximo com cônjuge”.
A nova casa da Ana Flávia fica em um bairro próximo ao abrigo onde ela vivia.
“Aqui elas são independentes, por exemplo, a gente já vai entregar a chave dela. Aí agora ela que vai fazer o autogerenciamento do celular, dos horários dela, com o apoio da equipe, mas é a vida mais independente”, conta a coordenadora da república jovem, Isabel Bueno.
Brígida Klein tem 19 anos, passou por abrigos e hoje mora em uma república. As regras no local são um pouco diferentes, porque a república é particular, financiada pela empresa onde ela trabalha.
“Pode trazer amigos, mas não pode subir para a parte de cima da casa e só pode ter visita com as educadoras aqui”, conta a jovem.
Brigida está se formando na escola e conta os sonhos para o futuro:
“Pretendo fazer faculdade de direito”.