“Salvador vem perdendo área verde gradativamente”. A avaliação compartilhada por ambientalistas é do professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e coordenador do Meio Ambiente da Superintendência de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sumai-Ufba), Antonio Lobo.
De acordo com ele, a capital baiana segue na direção contrária de cidades do Nordeste como Sergipe e Maceió, que têm conseguido até mesmo ampliar a vegetação. Em Salvador, empreendimentos privados construídos de forma inadequada e estratégias para o avanço da mobilidade adotadas pelo poder público estão entre as causas da supressão indevida de áreas verdes.
“Um dos motivos é a ocupação de áreas da cidade, seja através de obras do poder público, da prefeitura, do governo do estado”, aponta o professor, antes de elencar alguns exemplos
“A ocupação de parte do canteiro verde da Paralela para a implantação do metrô, a ocupação de parte do canteiro verde em algumas avenidas, como a Vasco da Gama, para a implantação do BRT, que é a obra mais recente. Com a construção de viadutos, que não é o tipo de obra mais indicada nas cidades mais avançadas, mais desenvolvidas”.
Procurado pelo portal, o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia, Tiago Brasileiro, concorda que há outras formas de pensar o desenvolvimento da cidade com menor impacto ambiental. Segundo ele, atualmente “há várias técnicas, materiais e concepções de infraestrutura urbana que visam simular o funcionamento dos elementos naturais”.
Brasileiro listou algumas questões a serem consideradas no planejamento urbano:
- Promover arborização e recomposição da vegetação natural em áreas ambientalmente sensíveis (margens de rios e lagoas, praias, dunas, manguezais, encostas, etc.), especialmente para minimizar enchentes, deslizamentos e outros impactos decorrentes de eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes;
- Priorizar estruturas de drenagem e macrodrenagem, que possibilitem um escoamento mais difuso e bem distribuído no território, como jardins de chuva, bacias de retenção e valas de infiltração, evitando que as águas pluviais se acumulem rapidamente nas áreas mais baixas;
- Definir, nos instrumentos de planejamento (principalmente o PDDU, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano), altura e afastamento de edificações, adequados à manutenção da ventilação natural, evitando-se a formação de ilhas de calor;
- Garantir, nos instrumentos de planejamento (principalmente o PDDU), que as áreas verdes da cidade sejam preservadas e consideradas como non edificandi, ou seja, áreas onde não podem haver construções.
Efeitos climáticos
O cenário preocupa especialmente por conta do contexto de mudanças climáticas. Como o professor esclarece, a tendência é de cada vez mais chuvas torrenciais — “extremamente fortes, com muita pluviosidade” —, e o deflorestamento da cidade é um agravante.
A consequência já é vivenciada por soteropolitanos. Dias de fortes chuvas culminam em ruas alagadas, deslizamentos de terra e risco à vida e moradia dos cidadãos.
“É um ciclo vicioso. Você deixa a cidade mais exposta aos efeitos das mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, quando você retira a vegetação, você contribui para ampliar essas mudanças”, destaca o professor Antonio Lobo.
O ambientalista detalhou o ciclo de problemas durante a entrevista. Confira os cenários abaixo ⬇️
- COM VEGETAÇÃO
🌳 O verde protege o solo, já que as árvores retiram gases poluentes que geram o efeito estufa, que, por consequência, gera o aquecimento global da atmosfera. Em contrapartida, as árvores liberam oxigênio puro, “de altíssima qualidade” para todo o ambiente.
- SEM VEGETAÇÃO
🍃 Quando o verde é retirado, o solo fica mais exposto. Se pavimentado, esse solo ganha também uma tonalidade escura que tende a absorver mais calor, refletindo menos os raios solares. Isso impacta o microclima do local, fazendo com que o ambiente fique mais quente.
⛈️ A supressão da vegetação também deixa o ambiente mais seco, já que as árvores retêm umidade. O solo, então, é mais atingido por chuvas torrenciais.
“Ou seja, a gente perde qualidade de vida, o ambiente perde qualidade ambiental e nós, a cidade, ficamos expostos aos riscos oriundos das mudanças climáticas”.
O que o poder público faz para preservar o bioma?
O g1 procurou o governo da Bahia e a Prefeitura de Salvador para apurar como os gestores têm atuado na preservação do bioma de Mata Atlântica da cidade. A Secretaria de Sustentabilidade, Resiliência, Bem-estar e Proteção Animal de Salvador (Secis) defende que mais de 110 mil árvores foram plantadas na cidade nos últimos 11 anos e afirma que promoveu requalificações de áreas verdes, delimitando 41 parques e criando 16 novos equipamentos.
Ao falar especificamente do BRT, a pasta ressalta que os ônibus são 100% elétricos, o que contribui para a redução das emissões de CO2.
“A sustentabilidade também se faz presente na infraestrutura do modal, com teto verde na estação do Parque da Cidade e o plantio de mais de 10 mil mudas de árvores nativas da Mata Atlântica ao redor do BRT. A ampliação das ciclovias, que se estendem por todo o trecho do modal, e a atualização da rede de macro e microdrenagem, eliminando alagamentos em áreas importantes da cidade, são outros aspectos que evidenciam o compromisso de Salvador com a mobilidade sustentável e a adaptação às mudanças climáticas”, completa a Secis.
Já a Secretaria do Meio Ambiente do Estado (Sema) não respondeu os questionamentos até a publicação desta matéria.