Influenciadora de beleza com síndrome rara fala sobre falta de acessibilidade

Foto: Reprodução / Instagram

Bruna Rodrigues foi diagnosticada com Fibromatose Hialina Juvenil (FHJ) aos 2 anos. Apaixonada pelo mundo da beleza, começou a se maquiar aos 11, com o auxílio de uma barra de isopor. Para ajudar no seu trabalho como influenciadora, ela criou o ‘tripé beauty´, uma órtese 3D, pensada e idealizada por ela, e feita para facilitar a aplicação dos produtos. Em conversa com Marie Claire, Bruna relembra sua história e comenta a falta de inclusão de pessoas PCDs em campanhas de beleza

“Tenho facilidade em lidar com as coisas, independentemente se são boas ou ruins”, é assim que Bruna Rodrigues começa a entrevista com Marie Claire. Aos 2 anos, ela foi diagnosticada com Fibromatose Hialina Juvenil (FHJ), uma síndrome raríssima, caracterizada principalmente por lesões papulonodulares na pele (face e crânio), hiperplasia gengival e contraturas articulares progressivas.

“Devido a essa síndrome, não consigo ter muitos movimentos, como erguer os braços e esticar as pernas. Não há nenhum tratamento, e a única coisa que eu faço é o acompanhamento odontológico por conta da hiperplasia gengival, que nada mais é que o crescimento excessivo da gengiva. Todos os anos faço uma cirurgia para retirar esse excesso, que pode dificultar a higienização. Até os meus 15, 16 anos, achava que era a única menina a ter essa síndrome rara. Foi só depois dessa idade que encontrei um grupo no Facebook, criado por uma fisioterapeuta, onde pessoas com essa mesma raridade se conectam”, diz Bruna, que mora em Trindade, região metropolitana de Goiânia.

Bruna lembra que nunca questionou os pais sobre a síndrome. Sempre muito bem informada, ela entendeu, desde cedo, que teria algumas limitações. “A minha mãe conta que os meus primeiros anos de vida foram bem difíceis, com muitas idas ao hospital para entender e buscar um tratamento. Mas, tirando essa questão de saúde, minha infância e adolescência foram de momentos tranquilos.”

“Aos 6 anos fui para a escola e, na primeira tentativa, negaram minha matrícula, inventando uma desculpa qualquer. Hoje sabemos bem o que isso significa. Mas logo em seguida achamos outra instituição que me acolheu. Pelo medo e insegurança, minha mãe me acompanhou do início dos estudos até eu me formar no ensino médio. Ela ficava na secretaria durante todo o período das aulas, disponível para o que eu precisasse (…). Na sala de aula, eu não tinha professores de apoio. Sempre consegui acompanhar tudo. Recebia olhares estranhos, uma piada ou outra, mas creio que, por conta da presença da minha mãe, não tive grandes problemas com preconceito. Nunca me senti inferior.”

Desde a escola, um amor que acompanha Bruna é a maquiagem. Ela se recorda de gostar, desde criança, de sair de casa bem arrumada com acessórios, unhas feitas e batom. “Isso é coisa minha mesmo, não teve influência de ninguém”. Foi quando, aos 11 anos, decidiu que gostaria de se maquiar sozinha e ter mais independência.

“É comum que eletrodomésticos venham com proteções de isopor bem resistentes. Um dia, a minha mãe me deu uma barra de isopor para que eu pudesse alcançar meu rosto e conseguir, ao menos, tirar o cabelo do lugar ou espantar um inseto que me incomodasse”, explica.

Bruna percebeu que a resistência e leveza do isopor eram pontos positivos e que isso ajudaria bastante em outras atividades. “Comecei então a testar formas de conseguir colocar os produtos nele e alcançar meu rosto. Não foi fácil e muito menos rápido, mas até hoje foi a forma que encontrei de fazer minha própria maquiagem – e comer sozinha também.”

Nos primeiros anos, ela relata que sentia vergonha de usar o isopor. “Pouquíssimas pessoas viram eu me maquiar assim. Mudei a minha cabeça em relação a isso quando decidi começar a postar vídeos nas redes sociais. As pessoas ficaram impressionadas ao me verem maquiar com o isopor. Entendi, a partir disso, que não tinha nada de errado com o que eu estava fazendo, era mais uma das coisas que me tornam única.

“Meu propósito é tornar a beleza mais acessível”

Bruna sempre consumiu conteúdos de beleza na internet e é possível dizer que foi isso que a levou a dar o primeiro passo. “Vejo tutoriais, busco entender sobre o uso dos produtos, formulações. E as pessoas ao meu redor notaram o meu interesse e desenvoltura na hora de falar sobre beleza e maquiagem. Por isso, comecei a receber perguntas sobre o motivo de eu ainda não criar conteúdo para a internet. De início, me maquiava por hobby, mas depois de muito pensar, decidi falar sobre nas redes sociais.”

Em 2019, a jovem, agora com 27 anos, já falava sobre beleza, mas um dos seus primeiros vídeos de maquiagem foi fazendo uma produção colorida para o Carnaval. Desde então, nunca mais parou. No TikTok, um dos vídeos, em que Bruna mostra a sua rotina como influenciadora, alcançou 1 milhão de visualizações. No Instagram, ela tem quase 50 mil seguidores.

“Me lembro como se fosse hoje quando resolvi gravar o primeiro vídeo para postar. A minha mãe disse: ‘Você tem certeza que quer mesmo fazer isso, está preparada para o que pode ver e ouvir, sabemos que você pode ouvir coisas boas, mas também muitas coisas ruins sobre você. Vai ter cabeça para isso?’. Eu disse que sim, que não me importaria com a opinião alheia. Mas claro que, ao postar, senti insegurança e medo. No final, deu tudo certo.”

O que começou sem pretensão alguma, virou trabalho, algo que Bruna jamais imaginou. “Sempre fui super na minha e não gostava de ser o centro das atenções. Ser influenciadora nem passava pela minha cabeça. Antes disso, cheguei a cursar um período de ciências contábeis, mas tranquei por questões emocionais e de saúde.”

Recentemente, Bruna abandonou o isopor e começou a usar o “tripé beauty”. O item foi pensado e idealizado por ela, que baseou todas as funções em suas próprias necessidades. “Estava passando da hora de eu encontrar algo mais prático, mais rápido, e que eu pudesse carregar em todos os lugares com facilidade. Foram anos procurando, mas sem sucesso. Em 2023, procurei empresas de impressão 3D e assim surgiu o tripé beauty, que nada mais é do que uma órtese 3D, retrátil e super leve. Quando encontrei a empresa, eu estava com o projeto em mãos, da forma que eu queria. A partir daí, fizemos vários testes até chegar no mais acessível.”

Foto: Reprodução / Instagram

O tripé possibilita que ela pegue melhor os produtos que gostaria de usar, bem como os pincéis, mas a falta de acessibilidade no mundo da beleza ainda é uma questão para Bruna. Grande parte das embalagens, por exemplo, não foram pensadas para o público PCD.

“Não são todos os produtos que eu consigo abrir por conta das embalagens. Quando eu usava o isopor, pincéis e maquiagens com desenhos nas pontas, como orelhinhas, eram impossíveis. Alguns produtos são muito pesados, grossos (…). Ou a gente continua tendo que contar com a ajuda das pessoas, ou simplesmente o público PCD nem sempre consegue ser um consumidor de beleza, mas deveria ser um direito de todos.”

Hoje, Bruna é representatividade para diversas outras pessoas PCDs, mas ainda sonha em ver mais meninas como ela dentro do ramo da beleza. “É muito gratificante receber milhares de mensagens de outras pessoas compartilhando suas vidas. Fico feliz que, através do meu conteúdo, consigo inspirar e ajudar a mudar a mentalidade das pessoas sobre a vida. Meu propósito é tornar a beleza mais acessível. Fico feliz de conseguir passar essa imagem. Apesar disso, ainda falta muito para chegarmos lá.”

“Sei que estamos dando alguns passos importantes, mas falta muito. Para provar esse ponto, basta entrar nos sites e redes de grandes marcas. É raro encontrar um PCD no feed, nem como modelos e nem em campanhas publicitárias. E por qual motivo isso não acontece? Falam tanto de representatividade, mas não é isso na prática. Espero que mude o mais rápido possível.Temos as nossas vidas, nossos custos, mas não temos as mesmas oportunidades (…). Já trabalhei com a Natura, e essa foi uma grande conquista profissional que tive. Mas, como influenciadora de beleza, quero ser cada vez mais referência, quero ser reconhecida, ter a minha independência financeira, através do meu trabalho, feito com muita dedicação”, reflete.

Para a jovem, trabalhar com maquiagem melhorou a sua autoestima e trouxe ainda mais poder. “Nunca tive muitos problemas de falta de aceitação devido a minha aparência ‘fora do padrão’, mas não é sempre que tenho maturidade de me olhar no espelho e estar em paz (…). Beleza, para mim, é tudo o que traz poder, bem-estar. É poder se ver de diversas facetas, sem precisar ser outra pessoa”, finalizou.

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