É o Supremo quem diz o Direito Constitucional do Trabalho, afirma Cármen Lúcia

Crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao falar sobre o papel constitucional do STF nos conflitos decorrentes das novas relações trabalhistas, lembrou que a Corte é a guardiã da Constituição e, como tal, tem prerrogativa para julgar questões sobre trabalho. “Quem diz do Direito Constitucional do Trabalho, em última instância, é o Supremo”, afirmou nesta quinta-feira (7/3).

Para Cármen Lúcia, a desobediência de juízes diante de decisões vinculantes do STF gera uma instabilidade individual, empresarial e trabalhista. Ao citar Pontes de Miranda, a ministra lembrou que os operadores do Direito podem questionar para que se mude uma lei, mas enquanto ela estiver vigente, é preciso aplicá-la.

“Ninguém tem que, portanto, gostar ou não gostar de terceirização, de responsabilização de quem contrata e depois não quer pagar, de transferências indevidas de responsabilidades pelo não cumprimento de uma legislação. Isso não é papel de juiz, isso é papel do legislador alterar as normas” disse Cármen Lúcia.

A ministra foi uma das convidadas do evento “Trabalho em Tempo de Transição Digital”, realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), promovido pelo Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social (Getrab-USP) com apoio da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT). Como não pôde se deslocar até São Paulo, a ministra enviou um vídeo que foi transmitido no encerramento do evento.

“A CLT não é uma Bíblia”

O ministro Douglas Alencar Rodrigues, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), também foi um dos participantes do evento na USP. Ao longo de sua apresentação, Alencar afirmou que a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) “não é uma Bíblia universal” que deve “presidir todos os negócios jurídicos que envolvam a organização pessoal dos serviços”.

Para o ministro, essa mentalidade é o que tem levado o STF a cassar tantas decisões da Justiça do Trabalho e que, no fim, “pode levar a um esvaziamento absoluto” das competências da instituição. “O Supremo tem motivações para nos decotar a competência. Essas motivações são originadas pela percepção de inadequação de como arbitramos esses conflitos”, disse Alencar.

O ministro lembrou que o Supremo chancelou a legalidade de uma série de atividades profissionais que são desenvolvidas fora dos marcos clássicos da CLT, como no caso de médicos, advogados, representantes comerciais, corretores de imóveis e operadores do mercado financeiro.

Na visão dele, isso é uma sinalização da Corte de que é preciso avançar e ampliar as perspectivas sobre as relações trabalhistas. “Podemos não concordar com as decisões do Supremo, mas precisamos segui-las”, afirmou.

Divergência entre Justiça do Trabalho e STF

A relação do STF e da Justiça do Trabalho está sendo marcada por uma divergência de entendimentos. Mesmo com precedentes do Supremo validando a contratação por regimes de trabalho diferentes da CLT e a terceirização da atividade-fim, muitos magistrados trabalhistas ainda condenam empresas que optam por um regime diferenciado a pagar os direitos previstos na CLT por verificarem que no caso concreto houve fraude trabalhista.

Hoje, todos os ministros do STF, exceto o recém-empossado ministro Flávio Dino, já proferiram ao menos uma decisão monocrática derrubando sentença ou acórdão da Justiça do Trabalho que reconhecia vínculo de emprego em casos de terceirização ou pejotização.

Até mesmo o ministro Edson Fachin, que costumava ir na direção oposta dos colegas, no final do ano passado cassou uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2) que reconhecia o vínculo entre um médico ginecologista e a Amico Saúde.

Na época, o ministro ressalvou sua posição pessoal contrária ao cabimento de reclamações contra as decisões da Justiça do Trabalho, mas apontou que ambas as Turmas do STF têm decidido encaminhar discussões sobre supostas fraudes à Justiça Comum.

Para a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), esse tipo de decisão do Supremo têm gerado uma erosão do Direito do Trabalho.

No ano passado, em outubro, a associação divulgou um estudo feito em parceria com pesquisadores da USP que mostrou que, das 88 reclamações constitucionais relativas ao tema da competência da Justiça do Trabalho no STF, apenas 15% foram julgadas improcedentes.

Dias depois, o ministro Gilmar Mendes apresentou na 2ª Turma da Corte uma pesquisa mostrando que das 4.781 reclamações protocoladas no STF em 2023, 2.566 são classificadas como “Direito do Trabalho” e “Processo do Trabalho”.

Na ocasião, o ministro afirmou que esse dado “não causa espanto” por causa da “visão distorcida” da Justiça do Trabalho, o que pode fazer com que o Supremo tenha que aferir “dezenas, quem sabe centenas de decisões”, que talvez façam com que o Supremo se torne uma “Corte Superior ou Suprema Justiça do Trabalho”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

dezoito + doze =