A mãe da brasileira presa na Índia lamentou a perda de parte da infância do neto, um menino de quatro anos que nasceu e viveu em um presídio indiano desde seu nascimento. A criança e a mãe retornaram ao Brasil no último dia 8 de dezembro, ao desembarcarem em São Paulo, no Aeroporto Internacional de Guarulhos (GRU).
A brasileira Angélica Cristina Souza, de 33 anos, foi condenada por tráfico internacional de drogas em 2018 na Índia. À época, ela estava grávida e teve o filho na prisão no ano seguinte.
Célia Souza, mãe de Angélica e avó da criança, se disse indignada com o descaso com o qual o caso da filha foi tratado pelas autoridades brasileiras, em especial pelo fato de o neto ter cumprido a pena junto com a mãe e ter tido cerceado o seu direito à infância.
“Quando eu vi o menino e minha filha, foi duro demais. Eu quase passei mal. Eu falo hoje ver meu neto preso? Não existe isso daí. Não existe criança atrás das grades. Por que não me avisaram antes? Eles tinham que ter me avisado, não deixar meu neto atrás de umas grades”, pontua.
O advogado que auxiliou na repatriação da dupla classificou a atuação diplomática do estado brasileiro como omissa. Segundo Carlos Nicodemos Oliveira da Silva, presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ, o governo brasileiro sabia do caso desde 2018.
O Ministério das Relações Exteriores informou que a embaixada brasileira no país acompanhou o caso, com “visitas regulares” e “entrega de itens de necessidades básicas” à mulher
No entanto, segundo o advogado, a falta de interesse diplomático nos últimos quatro anos fez com que a criança vivesse os primeiros anos da infância privada de liberdade.
“Trata-se não só de omissão do estado brasileiro, mas também de uma violação estrutural e institucional do estado brasileiro no campo diplomático. Essa solução deveria ter sido encontrada lá em 2018”, complementa.
Além da distância com o neto, Célia lamenta não ter estado com a filha durante o período. Apesar do retorno, ela acredita que a filha ainda sofre com os traumas vívidos nos últimos quatro anos.
Com o retorno, Angélica foi encaminhada a uma unidade prisional no estado de SP e seguirá cumprindo a pena de dez anos imposta pela Justiça indiana no Brasil.
“Sofri ainda mais por não poder ficar com minha filha no seu período puerpério, foi doloroso demais. Foi maravilhoso vê-la de novo, senti ela muito triste, meio depressiva, falava bem pouco. Ela estava preocupada por estar aqui perto e, ao mesmo tempo, tão longe. Deveriam ter deixado ela vir comigo, ela chorou muito”, conta Célia.
Nascido em 2019 e prestes a completar cinco anos no próximo dia 25 de dezembro, Emanuel Lorran ficará sob guarda provisória da avó materna, que mora em Tupã, no interior de SP, enquanto a mãe cumpre o restante da pena em solo brasileiro.
No momento, a família tenta adaptar o menino à cultura brasileira. Além do trauma pela ausência da mãe, ele tem dificuldades na comunicação em português e na alimentação.
“O Emanuel chorou muito, ele sente falta dela, pergunta e chama por ela. Sem contar que ela, nesse começo, seria a única que conseguiria compreendê-lo. Ele não fala nada sobre a Índia, fala um pouco de espanhol, entendemos muita pouca coisa, ele repete o que falamos”, revela.
“Na alimentação, ele come, mas come o mínimo. Lá, a alimentação dele não tinha muita coisa que tem aqui. A carne bovina, por exemplo, é sagrada lá. Mas ele vem se adaptando, aprendeu a comer feijão, come legumes, arroz”, conta.
Embora assuma que a filha tenha errado, Célia acredita que ela já pagou pelo erro e espera que Angélica retorne o quanto antes para casa, onde outros dois filhos, além de Emanuel, a esperam.
“Eu espero muito que minha filha venha embora, que possa cuidar dos filhos dela, pois ela tem outro que mora com o pai e um comigo, além do Emanuel. Que ela possa ter essa alegria enorme em pode rever os filhos, ficar com eles, cuidar deles. Minha filha aprendeu a lição.”
O caso
A brasileira Angélica Cristina Souza, de 33 anos, vivia em Tupã, no interior de SP, quando embarcou em 2018 para a Índia com cápsulas de cocaína no estômago e foi presa ao desembarcar em Nova Délhi, capital do país asiático.
Ela estava grávida quando foi detida, julgada e condenada. O menino nasceu em 2019 e, desde então, viveu a infância no presídio em Nova Délhi.
“A Angélica foi levada a um tribunal três meses depois da prisão, onde confessou o crime e informou que estava grávida”, revela Carlos Nicodemos Oliveira da Silva, presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ.
Em 2021, a Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ tomou conhecimento do caso envolvendo a brasileira que deu à luz no presídio em Nova Délhi. Desde então, a comissão trabalhou para transferir a pena da mãe da criança para o Brasil, para que, assim, também fosse possível trazer a criança que vivia há quatro anos na cadeia.
Em conjunto com a Procuradoria, a comissão pediu apoio à transferência de Angélica, após verificar “nítida violação de direitos humanos”.
A operação de retorno de mãe e filho contou com o apoio do Ministério das Relações Exteriores, a Polícia Federal e a Embaixada do Brasil em Nova Délhi.
Angélica cumprirá a condenação seguindo a legislação brasileira e terá direito a progressão de regime, se assim a Justiça brasileira determinar.
“Ela já cumpriu cinco anos, tendo direito, pela Legislação brasileira, a uma progressão de regime, do fechado para o semiaberto. Se ela cumprir mais um ano e sete meses da pena, ela terá direito a liberdade condicional, aplica-se todas as normas e leis daqui”, explica o advogado.
Com o retorno da dupla ao país, o advogado Carlos Nicodemos espera que o estado brasileiro reconheça o erro e possa reparar o dano causado à criança.
“Pensa-se em modular uma ação reparatória que indenize a criança por ter permanecido quase cinco anos dentro de um presídio, violando todas as normas internas e, inclusive, a convenção dos direitos da criança da Organização das Nações Unidas, a Onu”, sentencia.
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que a embaixada do Brasil em Nova Délhi prestou assistência consular desde 2018, quando a cidadã foi presa na Índia por tráfico internacional de entorpecentes.
Durante o período, foram realizadas “visitas regulares ao estabelecimento prisional no qual a brasileira se encontrava encarcerada, ocasiões na qual eram entregues à cidadã itens de necessidade básica”, pontuou o Itamaraty no comunicado.
Por fim, o Ministério afirmou que a embaixada realizou gestões junto às autoridades indianas com vistas a providenciar o tempestivo registro de nascimento do menor e que, com o retorno da dupla ao Brasil, o caso é de competência do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP)