A falta de definição clara nas legislações sobre os casos de assédio sexual e moral no serviço público pode dificultar a responsabilização dos acusados. Os dados aparecem na pesquisa “Servidoras e Servidores Públicos contra Assédio e Violência no Trabalho: Limites da Estabilidade do Mecanismo de Proteção”, conduzida pela advogada Myrelle Jacob para o Instituto República.org, que fomenta iniciativas para qualificar o serviço público.
O estudo aponta que, no âmbito do Executivo federal, a legislação não possui nenhuma de norma sobre assédio moral ou sexual no trabalho. Segundo o levantamento, o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis (Lei 8.112/90) não garante a responsabilização, exigindo que os trabalhadores recorram às instâncias administrativas e à Justiça comum para denunciar os casos.
Ao analisar mais de 3 mil denúncias e manifestações na administração pública federal, o levantamento pontuou que, em 2022, o assédio moral correspondia a 82% das denúncias. Outras 18% eram sobre assédio sexual. Nos órgãos da União, as instituições de ensino concentraram a maioria das queixas envolvendo assédio sexual. Entre as 643 denúncias analisadas, 336 saíram de autarquias vinculadas à educação.
Das pessoas denunciadas por assédio moral, 12,3% receberam algum tipo de penalidade e 1,5% foram demitidas. Por outro lado, nos casos de assédio sexual, 21,3% das pessoas denunciadas receberam algum tipo de penalidade, sendo que 9,4% foram demitidas.
No caso da administração pública estadual, 15 unidades federativas possuem legislação sobre assédio, mas apenas cinco possuem alguma regulamentação específica sobre assédio sexual, enquanto 14 tratam sobre assédio moral. Além disso, o estudo pontua que não existe um um canal específico para que os servidores denunciem casos de assédio.
Segundo a pesquisadora e advogada Myrelle Jacob, que participará do lançamento da pesquisa na Casa República.org na Flip, em Paraty, nesta sexta-feira (24/11), além da escassa legislação, o entendimento sobre os tipos de assédio não é uniformizado. Por exemplo, a pesquisa localizou 12 formas diferentes para conceituar assédio moral, sendo que cinco delas exigiam a reincidência para a aplicação de penalidades superior à advertência.
“Esse conceito [assédio moral] foi criado pela psiquiatra Derry Goyne e, de alguma forma, perpetua a repetição como um elemento constituinte. Ou seja, somente se for um ato repetido é que ele vai ser considerado assédio moral. Entretanto, nós não temos segurança em dizer que um único ato de assédio é seguro ao ponto da administração pública não classificá-lo como um ato proibido ou como um ato que precisa ser cessado imediatamente”, explica.
Conceito de assédio sexual
Nesse sentido, em relação ao conceito de assédio sexual, Jacob afirma que as legislações não estabelecem um entendimento claro. Para ela, isso se deve ao fato de que o assédio sexual por chantagem está incluso no Código Penal, concluindo que “a não regulamentação do assédio sexual aponta para um despreparo em apresentar soluções aos servidores no âmbito administrativo correcional”.
Ao contrário dos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), os servidores públicos estão submetidos a regimes estatutários de trabalho e não podem recorrer à Justiça do Trabalho. “ O cenário brasileiro atual é marcado pela ausência de lei federal com abrangência nacional que apresente a conceituação de assédio e violência no mundo do trabalho”, avalia a pesquisadora.
Ao longo de 2023, o Executivo federal institui o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) de Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação no Serviço Público. O GT deve finalizar suas atividades até o final deste ano. O resultado deve subsidiar uma política de atuação junto a todos os órgãos da administração federal.