Número de novos cotistas nas universidades federais tem a maior queda em dez anos, aponta Inep

Guilherme Peres, estudante de Ciências Sociais na UnB, diz que reparou diminuição da diversidade nos corredores — Foto: Brenno Carvalho

Embora a quantidade de ingressantes cotistas venha caindo desde 2019, é a primeira vez em que há redução de maneira simultânea ao aumento no número total de alunos que entram em universidades

No momento em que o Congresso discute estender a Lei de Cotas por mais dez anos, dados do Censo da Educação Superior, do Inep, mostram uma redução no número de estudantes que ingressaram em instituições federais por meio do mecanismo. Foram 108,6 mil calouros cotistas em 2022, 16 mil a menos do que no ano anterior, o que representa uma queda de 13%, a maior em uma década.

Embora o número de novos cotistas venha caindo desde 2019, é a primeira vez em que há redução de maneira simultânea ao aumento no número total de alunos que ingressaram em universidades. Após duas quedas seguidas durante a pandemia da Covid-19, em 2020 e 2021, cresceu em 9% a quantidade de estudantes que chegou no ensino superior via ampla concorrência.

O MEC afirmou, em nota, que os alunos que preenchem os requisitos da Lei de Cotas “compõem os perfis sociais mais atingidos pela pandemia”. O Ministério acrescentou que vem atuando para fortalecer meios que permitam a permanência dos estudantes, como o aumento no valor pago e no número de bolsas de estudo.

O professor da Faculdade de Educação da USP e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, cita fatores que podem explicar essa redução. O primeiro, segundo ele, é a falta de incentivo a políticas públicas para permanência na universidade, como moradia, alimentação e ajudas de custo.

— A cada ano que passa, os jovens ganham mais consciência que, se a universidade não garantir condições de permanência, eles terão um ingresso traumático. Não basta permitir a entrada, é preciso garantir a permanência — afirmou o especialista.

Outro fenômeno apontado por Cara é o desalento em relação ao ensino superior por parte dos estudantes. De acordo com o professor, jovens estão investindo menos no ensino superior devido à demora no acesso ao mercado de trabalho. O terceiro fator, na avaliação dele, seria posicionamentos contrários do governo anterior à política de cotas, deixada em segundo plano no período.

Apesar do cenário desfavorável, foi por meio da reserva de vagas para pessoas com deficiência que Francisco de Sousa Junior, 27, ingressou no curso de História na Universidade de Brasília (UnB) em 2019. Morador da periferia do Distrito Federal, ex-estudante de escola pública e portador de deficiência visual, Sousa Junior soube que sua vida mudaria quando recebeu a notícia de que havia passado para a universidade pelo Enem.

— Antes, entrar na universidade era um sonho distante para mim. Agora eu sei que tenho capacidade técnica para exercer um cargo com boa remuneração e mudar minha realidade e das pessoas ao meu redor — relata Sousa Junior.

A exemplo de Sousa Junior, 2.059 pessoas ingressaram na rede superior federal em 2022 no Brasil por meio das vagas para pessoas com deficiência. Além disso, 99.866 entraram pela cota para estudantes de escola pública, 45.226 pela renda familiar baixa e 55.371 por cota étnico-racial.

Estudante de Ciência Política na UnB, Guilherme Peres, 21, afirma que notou uma diferença no perfil dos alunos da universidade na volta das aulas presenciais após a pandemia, em 2022: para ele, os corredores estavam menos diversos.

— Acredito que, com a pandemia, muitos estudantes de escola pública que poderiam ingressar na universidade acabaram não entrando porque tiveram que começar a trabalhar para sustentar a família e perderam a educação superior como uma perspectiva de futuro — comenta.

Peres entrou na universidade por meio da reserva de vagas étnico-raciais e para estudantes de escola pública. A tia, primeira pessoa da família a estudar em universidade pública, foi referência. A UnB foi a primeira universidade federal a adotar cotas, em 2004, o que levou a discussão para o nível federal.

— Era o principal objetivo da minha vida. Eu participava de aulões e comprava várias apostilas para estudar. Sou o segundo da minha família. Se não fosse a universidade, provavelmente não teria os objetivos de futuro que tenho atualmente. Eu conheci um outro mundo, e só estou aqui por causa da política de cotas — disse.

Número de vagas

Além da queda no número de ingressantes, outro dado que mostra a retração de cotistas no ensino superior é a quantidade de vagas reservadas. De acordo com um levantamento realizado pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (Gemaa), da Uerj, a quantidade de matrículas para esses grupos teve, em 2021, a segunda maior queda desde 2007, quando os pesquisadores começaram esse levantamento.

Segundo a série de estudos “Levantamento das Políticas de Ação Afirmativa nas Universidades Públicas brasileiras”, a oferta de vagas nas universidades federais pela ampla concorrência ficou praticamente constante, em torno de 120 mil, de 2020 a 2021. Já as vagas reservadas caíram de 146 mil em 2020 para 132,4 mil em 2021, ou seja, diminuição de 9% de um ano para o outro. Nas estaduais, houve queda na oferta de vagas da ampla concorrência, de 8,5%, mas o corte foi ainda maior na oferta de vagas reservadas pelos programas de ação afirmativa, 13,3%.

Em geral, as universidades públicas oferecem mais vagas de cotas do que o mínimo previsto na lei federal. Nesse contexto, uma explicação para a queda de vagas em 2021, apontada pelo sociólogo Jefferson Belarmino, um dos autores da pesquisa, é que , durante a crise orçamentária do ensino superior, os programas adicionais de reservas de vagas foram sacrificados.

Essa é apenas a segunda vez em que foi registrado queda no número de vagas para cotistas em universidades federais — nas estaduais, nunca havia acontecido. Em 2018, o número de matrículas reservadas atingiu seu pico histórico (149.668) nas instituições vinculadas ao MEC. Portanto, em 2019, houve uma esperada e pequena queda registrada. João Feres, coordenador do Gemaa que também participou do estudo, afirma que o grupo vai continuar o monitoramento em 2022 para identificar se há tendência de diminuição ou se ela voltará a crescer.

— É preciso acompanhar, mas não acredito que vá haver uma regressão grave, ainda mais agora com a mudança do governo federal — avalia João Feres.

Colaborou: Bruno Alfano

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