Em primeira coletiva de imprensa após a posse como o novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que não vê crise entre a Corte e o Congresso Nacional e que pretende dialogar com a Casa de uma forma respeitosa e institucional, “como deve ser”. O ministro respondeu às perguntas de jornalistas nesta sexta-feira (29/9) e apresentou as diretrizes de sua gestão à frente do STF.
Quando questionado sobre a existência de uma crise entre o Legislativo e o Supremo e sobre a ”tomada de competências”, Barroso avaliou que o que existe entre as duas Casas é o que há em toda democracia: a necessidade de relações institucionais fundadas no diálogo, na boa vontade e na boa-fé. Barroso disse não ter dúvidas de que isso acontecerá entre o STF e o Congresso.
”A Constituição brasileira cuida de muitos temas que em outras partes do mundo são temas exclusivamente da política, mas ela [a Constituição Federal], além de organizar os poderes, organizar o Estado, trata de matérias tributárias, de saúde, educação, proteção do meio ambiente, dos indígenas”, afirmou. ”Portanto, o arranjo institucional brasileiro cria algumas superposições entre atuações que poderiam ser de interpretação constitucional ou que poderiam ser de matéria política”, prosseguiu.
Próxima indicação ao STF
Questionado sobre a próxima indicação para compor o Plenário do STF, Barroso respondeu que a nomeação é uma prerrogativa do presidente da República com a participação do Senado Federal, e que ele não se inclui nas prerrogativas de outros Poderes.
Quanto aos nomes cotados [Flávio Dino, ministro da Justiça; Jorge Messias, atual advogado-geral da União; e Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU)] para substituir a vaga deixada pela ministra Rosa Weber, que se aposenta compulsoriamente na próxima segunda-feira (2/10), Barroso considerou que são excelentes nomes do ponto de vista de qualificação e de idoneidade.
”Mas todo mundo assistiu ao meu discurso ontem e sabe que eu defendo a feminilização dos Tribunais de uma maneira geral. Mas eu repito, essa é uma prerrogativa do presidente”, afirmou.
Reação do Congresso às pautas de direitos fundamentais
O ministro afirmou que considera ”perfeitamente normal” que questões importantes e divisivas da sociedade, como o marco temporal, descriminalização das drogas e do aborto, sejam debatidos no Congresso também. Segundo Barroso, essas são questões que não podem ser levadas adiante sem um debate público relevante.
”A questão do marco temporal [aprovada pelo Senado] ainda vai à sanção. Portanto, ainda não é uma lei e não foi questionada perante o Supremo, mas pode vir a ser. O que é um bom motivo para eu não poder antecipar a minha opinião. É preciso que seja sancionado e depois que seja questionado perante o Supremo”, declarou.
Já sobre a questão da descriminalização da interrupção da gestação, Barroso avaliou ser uma questão controversa em todo o mundo. O ministro mencionou, ainda, que em alguns países o tema foi resolvido pelos tribunais constitucionais, enquanto em outros foi tratado por legislação.
No tocante às drogas, Barroso ressaltou que criminalizar ou descriminalizar é uma competência do Congresso Nacional e, segundo ele, o Congresso já tomou a decisão de despenalizar o porte de drogas para consumo pessoal e que, portanto, essa não é uma decisão do Supremo.
”O Congresso Nacional despenalizou, ou seja, deixou de prever a pena de prisão para o usuário. O Supremo não está mexendo nisso. Não se tem compreendido adequadamente o que o STF está fazendo. Basicamente, o Supremo está decidindo qual quantidade vai ser considerada porte e a partir de qual nós vamos considerar tráfico. E isso é da competência do STF porque quem prende é o juiz”, explicou.
Temas ‘polêmicos’ em sua gestão
Segundo Barroso, no Direito Constitucional brasileiro não há a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal dizer que não quer julgar uma matéria por ela ser considerada ”muito difícil”. ”Tudo que chega aqui no STF precisa em algum momento ser julgado, como vai ser julgado é outra questão. O timing cabe à presidência determinar”, afirmou.
No ponto de vista do ministro, por exemplo, o tema do aborto é um assunto que o debate talvez ainda não esteja maduro. Segundo ele, a temática necessita de análises mais aprofundadas porque envolve sentimentos religiosos respeitáveis das pessoas. ”Numa democracia, todo mundo merece respeito e consideração, mesmo quem pense diferente da gente”, destacou.
PEC do equilíbrio entre os Poderes
O ministro também foi questionado sobre a proposta de equilíbrio de decisões entre os Três Poderes e, ao responder à questão, explicou que a tese de que o Supremo dá a última palavra sobre a Constituição é verdadeira, mas que deve ser interpretada como um grão de sal.
”Realmente, numa democracia o intérprete final da Constituição é o Supremo, tanto que ele pode declarar uma lei do Congresso inconstitucional ou pode invalidar um ato do presidente da República. Portanto, o Supremo dá a última palavra”, pontuou.
No entanto, Barroso ressaltou que o Tribunal não é o dono da Constituição e que ele interpreta-a em interlocução com a sociedade e com os outros Poderes dentro dos sentidos possíveis que a Constituição oferece, de modo que não é uma competência arbitrária de dar a última palavra sobre ela.
”Há um permanente diálogo, explicitado ou não, com os outros Poderes e com a sociedade em geral. No sentido de não se tratando de uma cláusula pétrea, o Congresso, no fundo, é quem tem a última palavra, porque ele sempre pode produzir uma emenda constitucional revertendo uma interpretação do STF. Se for cláusula pétrea, não pode”, explicou.
Gestão no Supremo e combate à desinformação
Durante a entrevista, o ministro mencionou que a sua gestão no STF será detalhada dentro de três eixos, que são eles o conteúdo, a comunicação e o relacionamento. Barroso também deu uma prévia de como sua presidência no Supremo deve se iniciar e com qual pauta.
De acordo com ele, apesar de o STF ter uma fila de 300 processos para serem selecionados adequadamente, ele pretende começar a sua gestão enfrentando uma questão ”muito espinhosa e importante”, que é a questão prisional no Brasil.
Ao ser questionado sobre a onda de ataques de desinformação e fake news que o STF sofreu, especialmente durante os atos antidemocráticos do 8 de janeiro, Barroso afirmou que a questão do PL das Fake News está em tramitação no Congresso e fora de sua atribuição, embora ele seja um defensor da regulação moderada.
”Acho que isso deveria se transformar num senso comum, porque não importa se alguém é liberal, progressista ou conversador, nós todos estamos de acordo que não pode ter pedofilia na rede, não pode ter vendas de armas, de drogas, que não pode ter discurso de ódio pregando ataque a pessoas ou instituições”, declarou.
Segundo ele, há um meio-termo muito razoável em relação ao qual todos podem estar de acordo e que possa se materializar no PL das Fake News. ”Nós precisamos de educação midiática nessa matéria e informar as pessoas que elas não devem repassar informação cuja procedência desconhecem ou cuja autenticidade não puderam confirmar”, avaliou Barroso.
Durante a coletiva de imprensa, o ministro também reforçou que pretende facilitar a comunicação entre o Supremo e a sociedade.
MIRIELLE CARVALHO – Repórter em São Paulo. Atua na cobertura política e jurídica do site do JOTA. Estudante de Jornalismo na Universidade Anhembi Morumbi. E-mail: [email protected]