fracasso no presente e esperança no futuro passam pelo trabalho de Pia Sundhage

Marta cumprimenta Pia Sundhague durante o jogo entre Brasil e Jamaica na Copa do Mundo — Foto: Reuters

Em 2023, diferente de outros anos, a eliminação precoce da seleção feminina na Copa do Mundo não entra na conta da falta de estrutura ou de apoio à modalidade. Mesmo que o cenário ainda esteja longe do ideal, os últimos quatro anos foram transformadores para a modalidade no país – clubes, campeonatos e seleção.

Hoje, podemos e devemos focar no que aconteceu nas quatro linhas – os treinamentos, as escolhas táticas, a escalação, as substituições… Essa nova realidade – trazer o olhar para dentro e não mais para fora de campo – talvez seja a melhor notícia de uma Copa aquém da expectativa. E a análise do que ocorreu nas quatro linhas é incontestável: a seleção brasileira fracassou e decepcionou na Austrália.

Copa deixa base para os próximos desafios

Em 2019, Marta proferiu o seu famoso discurso após a derrota para a França cobrando, mais uma vez e mais enfática do que nunca, que o futebol feminino acordasse para o fato de que ela não jogaria para sempre. Quatro anos depois, ela ainda estava lá, mas seu adeus ocorre em momento menos desalentador para a modalidade.

Nesta quarta, Marta estava triste na sua despedida das Copas, claro. Mas seus olhos marejados enxergam um caminho que, enfim, começou a ser pavimentado. Este ano, seu foco não foi cobrar mudanças, mas proteger um legado.

Essas meninas têm um futuro muito longo aqui na seleção. A jornada delas está apenas começando. A Marta não vai jogar outra Copa, obviamente, mas elas vão – afirmou.

A base para os próximos desafios, a começar por Paris-2024, está feita, com nomes como Letícia (28 anos), Antônia (29), Kathellen (27), Ary Borges (23), Kerolin (23), Adriana (26), Geyse (25), Bia Zaneratto (29), Bruninha (21), Lauren (20), Duda Sampaio (22), e Angelina (23).

Mas isso é o futuro. Hoje, é preciso entender o que ocorreu para que um time com jovens talentosas e jogadoras experientes não conseguisse furar a previsível retranca jamaicana, dando adeus à Copa na fase de grupos, o que não acontecia havia 28 anos.

As duas análises, do amanhã que traz esperança e do pesadelo desta noite fria de quarta-feira no Estádio Retangular de Melbourne, passam pelo mesmo nome: Pia Sundhage.

Desde a chegada da treinadora, em agosto de 2019, a seleção feminina viveu uma renovação bem estruturada, gradual, com respeito a processos dentro e fora de campo. Mesmo após o tropeço nas Olimpíadas de Tóquio, também precoce, nas quartas de final, o Brasil não perdeu o rumo. Este ano, fez bons jogos contra Inglaterra e Alemanha.

Então, por que foi eliminada tão precocemente? Voltamos a Pia Sundhage. Será sobre seus ombros que recairá a maior carga de responsabilidade. Um pouco pela nossa tradição de apontar o dedo para treinadores nas derrotas. E também porque ela não contribuiu para que fosse diferente. Tirando a – hoje sabemos – ilusória goleada sobre o frágil Panamá, a seleção não encontrou seu futebol na Copa.

Exagero dizer que a culpa da eliminação é da treinadora sueca apenas. Atletas que eram fundamentais para fazer o jogo brasileiro fluir não tiveram boa atuação, como Debinha, Adriana, Ary Borges e Kerolin – algumas não só contra a Jamaica. O time, em geral, não soube colocar a bola no chão e os nervos no lugar.

Treinadora reconhece demora nas mudanças

Mas Pia, à beira do gramado, também parecia impotente para alterar um panorama que já soava preocupante no primeiro tempo nesta quarta. Após o jogo, a própria treinadora reconheceu que demorou a agir.

No intervalo, ela fez uma boa troca: Bia Zaneratto no lugar de Ary Borges. Mas esperou até os 35 do segundo tempo para voltar a mexer no time, lançando de uma só vez três novas jogadoras, em um movimento que soava mais a desespero do que planejamento. A demora para tomar decisões já tinha sido um problema contra a França, o resultado que abriu caminho para a eliminação.

– Essa é sempre uma pergunta que a gente se faz, quando a gente vê que não funcionou. Algumas das situações ali no segundo tempo poderiam ter sido melhores. Quando vemos o resultado, percebemos que foi um pouco tarde – admitiu Pia.

A treinadora também reconheceu sua parcela de responsabilidade no fracasso na Austrália. “Mas não minha apenas”, frisou. Pia destacou, ainda, que a seleção teve “boa preparação, bons jogos e bons treinamentos”.

Ao contrário de outras eliminações, em 2023 a seleção teve a estrutura necessária para a competição – viagem em voo privado, 20 dias de treinamentos em solo australiano antes da estreia, comissão técnica e pessoal de apoio em número recorde.

Na final do dia 20 de agosto, apenas uma seleção será campeã. Algumas outras tão ou mais bem estruturadas que o Brasil ficarão pelo caminho. E dificilmente elas colocarão em xeque todo o processo de trabalho.

Pia tem contrato até Paris-2024

Nos próximos dias, será discutida a permanência de Pia Sundhage na seleção. Não é necessário entrar nesse mérito agora. Permanecendo ou não, a sueca tem um legado no futebol feminino brasileiro, de renovação em campo e estrutura de processos fora dele. Esse caminho não pode ser interrompido ou desvirtuado, independentemente do nome à frente da equipe.

Pia Sundhage não conseguiu transformar o seu trabalho em resultados – não necessariamente precisaria ser o título. Talvez tenha outra chance em Paris – seu contrato termina após os Jogos Olímpicos. Talvez não. Mas, se há uma certeza, é a de que a seleção feminina brasileira não vai recomeçar do zero após a queda na Austrália.

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