Estudo mostra que Justiça arquivou 90% dos casos por considerar, entre outras coisas, o princípio de insignificância
De todas as prisões realizadas pela Polícia Civil de São Paulo durante a sexta fase da Operação Caronte, deflagrada na Cracolândia entre setembro e novembro de 2022, 99,5% dos presos foram acusados da prática do crime de uso de drogas, ou seja, eram os usuários que frequentam a região.
Segundo o levantamento, a Justiça decidiu arquivar ou trancar 90% dos casos por considerar que as prisões eram insignificantes por tratarem de usuários e não de traficantes e infringiam o direito à vida privada e intimidade. Em alguns casos, os magistrados também questionaram a constitucionalidade do artigo presente na Lei de Drogas que criminaliza o uso das substâncias, e que atualmente está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF).
No período analisado pelo estudo, foram detidas 841 pessoas que faziam uso de drogas, a maioria delas em situação de rua e em vulnerabilidade social. Conforme a Defensoria, em grande parte dos casos, o simples fato de portar um cachimbo foi considerado suficiente para justificar a detenção.
Conforme os dados apontam, dos 581 materiais apreendidos durante a sexta fase da operação, 556 eram cachimbos, e só 8 apreensões eram de fato substâncias entorpecentes. Em 73,6% dos casos, foram encontrados apenas “resquícios e sujidades” de substâncias ilícitas, obtidas a partir da amostra dos cachimbos periciados.
Sobre o perfil dos presos, a pesquisa mostra que 86% são homens, 63,67% são negras e 86,7% das pessoas não tinham um endereço fixo de moradia registrado. Prevalece a resposta “sem informação” aos parâmetros de estado civil, escolaridade e profissão.
Das 841 pessoas detidas, 520 foram encaminhadas para serviços de saúde como o CAPS. Segundo a Defensoria, em diversos casos houve privação de liberdade na carceragem durante a espera dos serviços de saúde, medicalização compulsória e dificuldades para sair do hospital e encaminhamento de indivíduos aos equipamentos de saúde por meio de viatura.
A Defensoria classifica as operações como abusivas e alerta que elas não favorecem o acesso às políticas de saúde e assistência social.
A Operação Caronte, realizada pela Polícia Civil de São Paulo em parceria com a Prefeitura da capital, foi iniciada em 18 de junho de 2021 e teve diversas fases. A fase analisada pelo estudo é a sexta, que se caracterizou pelas prisões em massa na região denominada como Cracolândia.
Na época, as sucessivas operações acabaram por ocasionar a mudança do ponto de concentração dos usuários, que costumavam ficar nas Ruas Helvétia e Dino Bueno. O chamado fluxo passou a ocupar primeiro a Praça Princesa Isabel, localizada a cerca de 200 metros do local e depois as ruas e calçadas em concentrações menores das regiões da Luz, Santa Cecília, República e Campos Elíseos.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que tem intensificado “as ações na região central de São Paulo, com foco na prisão dos principais traficantes e na integração das ações e operações conjuntas objetivando ampliar a segurança para todos os moradores, trabalhadores e frequentadores da região”.
Já a Prefeitura de São Paulo disse que está trabalhando para resolver a questão da Cracolândia desde 2017, quando iniciou a gestão Bruno Covas-Ricardo Nunes, “baseando-se nas experiências vivenciadas e com apoio em avaliações das políticas anteriores e nas experiências internacionais sobre o tema”.