Reforma Tributária promete reduzir distorções que afetam dia a dia das empresas; veja como

Editoria de Arte

A aprovação da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados na semana passada — que agora vai ao Senado — abre uma oportunidade inédita para o país combater distorções provocadas pelo que empresários chamam de “manicômio tributário” do Brasil. A complexidade do atual sistema de cobrança de impostos introduz nos negócios uma série de ineficiências com decisões influenciadas por estratégias para reduzir o impacto da carga tributária nos custos de produtos e serviços

Ainda que o foco dessa reforma seja a tributação do consumo — deixando outras bases de arrecadação, como folhas salariais, renda e patrimônio para depois —, o primeiro passo dado pela Câmara é visto como decisivo por líderes empresariais e economistas ouvidos pelo GLOBO, com impactos positivos sobre a competitividade dos negócios e a eficiência de toda a economia. Desde 2005, foram publicados ao menos seis estudos, com estimativas distintas, demonstrando a capacidade de a reforma gerar crescimento.

Ao afetar decisões das empresas e o consumo das famílias, os impostos promovem distorções na economia que reduzem a produtividade do país. A tributação sobre bens e serviços se destaca nesse diagnóstico, principalmente pela complexidade materializada na sopa de letrinhas dos muitos tributos nos três níveis de governo, a oneração de exportações e investimentos e a cumulatividade — a cobrança, “em cascata”, de tributos sobre tributos nas cadeias de produção.

O ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga afirmou recentemente ao GLOBO que “há 27 enciclopédias de regras”, ilustrando os sistemas distintos em cada estado e o tempo, o dinheiro e a mão de obra que as empresas têm de direcionar para dar conta de toda essa burocracia. Os recursos, que poderiam ser usados em outras iniciativas, terminam aumentando a conta do chamado Custo Brasil.

Temos algumas operações terceirizadas no sistema de contabilidade, exatamente para não errar, já que não é nossa atividade-fim. O nosso negócio é o varejo de material e construção industrializada — diz Felipe Cassol, presidente da Cassol Pré-fabricados. — É um manicômio tributário.

Mais de 1.500 horas por ano

O relatório Doing Business, do Banco Mundial — descontinuado em 2021 por causa de problemas de metodologia —, coloca o Brasil como campeão no tempo gasto com obrigações tributárias. Em 2020, eram 1.501 horas por ano, em média, à frente de Bolívia (1.025 horas) e Venezuela (920 horas) no pódio.

 No Brasil, gasta-se muito mais horas para fins de cálculo e pagamento do tributo — diz Patrick Sabatier, executivo de Assuntos Corporativos da L’Oréal. — O time fiscal dedicado ao país é maior do que em todos os demais países.

Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que, em média, foram editadas 37 normas tributárias por dia — ou 1,5 por hora — desde a promulgação da Constituição, em 1988. Já são 38.540 normas tributárias federais, 154.030 estaduais e 273.991 municipais no país.

Tabela de 461 páginas

Só a tabela da Receita Federal com classificações e tarifas para cada bem industrial sujeito ao IPI, um dos impostos que serão unificados na reforma, tem 461 páginas. As tarifas variam mesmo para bens parecidos.

Um bombom é sujeito a um IPI de 5%, mas um waffer de chocolate tem alíquota zero, por exemplo. Uma multinacional de alimentos recentemente se envolveu num processo no Brasil só para classificar barras de cereais como “flocos de cereais”. Não é preciosismo, mas uma forma de zerar o IPI, que é de 5% para “produtos de confeitaria”, como são classificadas barrinhas.

A complexidade dos impostos também resulta em gastos elevados com advogados para traçar estratégias mais vantajosas ou enfrentar processos administrativos e judiciais nessa área. Estudo do Insper de 2020, estimou que processos tributários envolviam um total de R$ 5,4 trilhões no Brasil, 75% do PIB naquele ano.

Melhora no desempenho de exportadores

Além disso, a sucessão de siglas de impostos federais, estaduais e municipais — que vão se acumulando em transações desde a compra de matéria-prima e contratação de serviços pelo fabricante de um bem até a distribuição e comercialização — anda de mãos dadas com a baixa competitividade dos produtos brasileiros no mundo.

O fim da cumulatividade de tributos é o ponto da Reforma Tributária mais citado por economistas ouvidos pelo GLOBO sobre o impacto nos negócios. Eles avaliam que, confirmada pelo Senado, a emenda constitucional tem condições de melhorar o desempenho de todos os setores econômicos do país, inclusive os exportadores.

Foto- Redação

Pela legislação atual, exportadores de bens industriais podem receber de volta o ICMS pago na cadeia de produção, mas a burocracia para comprovar os créditos e abatê-los dos impostos devidos desestimulam a operação. Em alguns casos, a demora dos governos estaduais em devolver os valores reconhecidos tornam receber os créditos e fechar as contas uma missão impossível.

— Isso ajuda a entender por que o Brasil exporta muito mais soja em grão que óleo de soja, por exemplo — diz Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores, autor de um dos estudos sobre o impacto da Reforma Tributária.

O trabalho dele, publicado em 2020, estimou um aumento de 20% no crescimento econômico potencial do país em 15 anos com a reforma. Contaria a favor o maior incentivo ao beneficiamento de grãos como a soja antes de exportar, vendendo lá fora itens de maior valor agregado.

Nas projeções da Abiove, que reúne fabricantes de óleos vegetais, o Brasil exportará 97 milhões de toneladas de soja em grão este ano, 62% do total produzido na supersafra, mas somente 21% da produção de óleo de soja vão para o exterior. A dificuldade de abater créditos tributários em cadeias industriais no Brasil é um dos fatores que deixam o exportador de processados em desvantagem diante dos competidores de outros países. A grande maioria já tem um sistema similar ao proposto na reforma.

— O empresário prefere levar a soja em grão e produzir lá fora do que aqui — diz João Maria de Oliveira, pesquisador do Ipea, autor de um estudo divulgado na semana passada pelo Ipea, que estimou um crescimento adicional de 2,39% do PIB, no acumulado até 2032. — Para efeito da nossa economia, ganharíamos muito mais se ele produzisse aqui, porque o produto industrializado tem maior valor adicionado.

Riscos na implementação

Entidades de classe e especialistas vêm chamando a atenção para a importância da implementação da reforma, com alíquotas, regras de crédito tributário e outras condições definidas por leis regulamentares. Analistas criticam o excesso de exceções. Setores econômicos temem elevação da carga tributária, o que o governo nega.

Felipe Salto, economista-chefe da corretora e gestora de recursos Warren Rena, avalia que alguns pontos da reforma aprovada na Câmara são tão complexos que há risco de o impulso ao crescimento econômico poderá se perder:

— Se adotamos um sistema de IVA (imposto sobre valor agregado, como previsto na reforma) no destino, com não cumulatividade plena, favorecemos os setores que agregam mais valor, como a indústria. No longo prazo, teríamos ganhos não desprezíveis. Agora, esses ganhos poderão se desmanchar no ar por conta das distorções que estão sendo carregadas para aprovar esse sistema.

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