O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recorreu, nesta terça-feira, a uma estratégia adotada por seu antecessor no cargo, Jair Bolsonaro (PL): a aposta em lives nas redes sociais como forma de comunicação direta com seus apoiadores. Assim como o ex-mandatário fazia transmissões ao vivo do Palácio do Alvorada, o petista pretende usar o recurso com frequência a partir de agora. O GLOBO reuniu as principais semelhanças e diferenças entre as transmissões feitas pelo atual e pelo ex-presidente. Confira:
Formato
Lula apostou em um modelo de live próximo ao do podcast, com entrevista feita pelo jornalista Marcos Uchôa, da TV Brasil. O formato é mais formal, mas torna, por outro lado, o conteúdo mais dinâmico, diz a pesquisadora em comunicação política Leticia Capone, do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio. Já Bolsonaro não contava com um intermediador em suas transmissões ao vivo. Ele mesmo conduzia as lives, inclusive quando contava com a participação de ministros e outros convidados.
— As estratégias são diferentes. Sem intermediário, a live de Bolsonaro passava a sensação de que falava diretamente para a audiência. Quando você tem um intermediário, retira-se um pouco da informalidade, mas o conteúdo fica menos cansativo — avalia Capone.
Bolsonaro também adotava tom mais informal no cenário usado para as transmissões, que eram feitas normalmente da biblioteca do Palácio do Alvorada. A estrutura tinha uma mesa, que normalmente ficava repleta de papéis, e uma estante de livros ao fundo. Os convidados ficavam ao lado do ex-presidente e de um intérprete de Libras. Já a live de Lula tem uma estrutura de estúdio, com microfone. O petista ficou sentado de frente para Marcos Uchôa.
A transmissão de Lula foi levada ao ar nas redes sociais da TV Brasil, que é controlada pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC). No caso de Bolsonaro, a empresa pública chegou a transmitir, em 2021, uma live com ataques às urnas, mas o mais comum era que a veiculação ocorresse apenas pelas redes do próprio ex-presidente.
O uso de podcast é uma tendência mundial, aponta o fundador da empresa de pesquisa e consultoria Quaest, o cientista político Felipe Nunes, que também é professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A participação em programas consolidados, como o podcast “Flow”, foi recorrente na campanha tanto de Lula e Bolsonaro quanto de outros candidatos no pleito passado. O desafio, porém, é deixar a live menos engessada.
— O governo acertou em propor esse formato. Você pode ver ou ouvir onde quiser. Mas o desafio é tornar o processo mais fluido — diz Felipe Nunes.
Periodicidade e duração
O atual presidente falou por cerca de 30 minutos na live, batizada de “Conversa com o presidente”. A intenção do governo é realizar o programa todas as terças-feiras pela manhã, mas essa periodicidade não está fechada. Se confirmado, o modelo semanal será parecido com o de Bolsonaro, que ao longo do seu mandato fez lives regularmente nas noites de quinta-feira. As transmissões de Bolsonaro não tinham duração definida e variavam: chegavam a ultrapassar 1 hora de duração.
Conteúdo
No caso de Lula, em um ambiente controlado e sem perguntas incômodas, o presidente abordou projetos do governo e agendas. Ele citou que lançará em 2 de julho um “grande programa de obras” e que quer criar o programa “Mais Alimento”, para produzir tratores e implementos agrícolas para estimular a produção alimentar e o “pequeno e médio produtor rural brasileiro”.
O presidente também mirou segmentos específicos da população, como a classe média, ao mencionar que pretende ampliar o programa Minha Casa, Minha Vida, de modo a abranger famílias com renda de até R$ 12 mil, e o agronegócio, ao dizer que nunca teve problema com o setor e que suas propostas também se direcionam para atendê-lo. Em outro momento, declarou que fará reforma agrária e, após uma série de ações recentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), disse que “não precisa mais invadir terra” em seu governo.
Bolsonaro também costumava listar entregas do governo em suas lives semanais, mas eram frequentes declarações polêmicas e ataques a adversários políticos, a instituições e à imprensa. As transmissões para apoiadores foram usadas, por exemplo, para disseminar desinformação sobre as urnas eletrônicas.
Em agosto de 2021, o ex-presidente leu durante uma live informações de um relatório parcial da Polícia Federal sobre um ataque hacker ao TSE em 2018, que não comprometeu as urnas eletrônicas. Em seguida, ele publicou a íntegra em suas redes sociais. O episódio levou à abertura de uma investigação contra Bolsonaro. O argumento foi de que o inquérito divulgado continha informações sigilosas sobre o órgão.
Estratégia
Tanto a live de Lula quanto a de Bolsonaro têm como objetivo atingir e engajar suas respectivas bases eleitorais com a narrativa que o governo busca implementar. Sem a pressão de uma entrevista jornalística, é possível indicar aos apoiadores quais são as pautas prioritárias e como abordá-las. Para Leticia Capone, trechos editados com as melhores falas podem ainda viralizar e atingir um público mais amplo. A eficácia das transmissões do petista, porém, vai depender da articulação dessa base.
— Se o campo se mobilizar para divulgar e construir conteúdos a partir da live, isso pode gerar impacto e alcance maior — conclui.
Audiência
A transmissão feita por Lula alcançou uma audiência tímida na comparação com Bolsonaro e com sua própria conta em outros momentos. Durante a transmissão, o pico de espectadores simultâneos foi de 10 mil, somando YouTube, Twitter e Instagram, segundo medição feita pelo GLOBO. A divulgação do horário e data da live apenas na véspera pode também ter contribuído para os resultados.
— A base lulista é menos engajada nas redes do que a bolsonarista — diz Felipe Nunes. — A divulgação com mais antecedência pode ajudar, mas não acho que muda muito. O desafio do governo é criar novos hábitos de comunicação com o seu público, e isso demanda tempo.
Nos principais perfis oficiais de Lula, foram pouco mais de 217 mil visualizações até as 13h30m desta terça-feira, mais de quatro horas após a transmissão. A maior parte dessa audiência é do Twitter (115 mil), seguido por YouTube (49 mil) e Facebook (53 mil).
A última live de Bolsonaro, por exemplo, em 30 de dezembro, somou 3,3 milhões de visualizações somente no Facebook, e outros 7,6 milhões no Instagram.
Dados do CrowdTangle, plataforma de monitoramento de redes da Meta, revelam que Bolsonaro teve, em média, pouco mais de 680 mil visualizações em transmissões de vídeo ao vivo no Facebook entre 2019 e 2022. O número não se limita ao formato das lives de quinta-feira, que se tornou tradicional sem seu mandato, e também engloba outros casos. A média de Lula no ano passado, quando ocorreu a campanha eleitoral da qual saiu vitorioso nas urnas, foi de 309 mil visualizações em lives também no Facebook, segundo o CrowdTangle.